segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Em resposta a Débora Vieira

Pétria

Do puro golpe vulcânico
De um Deus Sísmico
Nasce a pedra

Pedra, mãe do Universo
Imóvel como deve ser o que é perfeito
Mover-se? Morrer-se!

Ser pedra é estar no meio do riacho
E não barrar o riacho, mas desviá-lo
Dizer a ele que fique parado

E não ouvir a resposta

Palavras Cruzadas 2

A          R          V          O          R          E          S

R          A          I          V          A          M          E

V           I          V          O          T          E          S

O          V          O          M          O        V          O

R         A          T          O          S           O          U

E         M          E          V          O          A         M

S          E          S          O          U          M          E

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sorte, imperatriz do mundo

  Pela primeira vez, estou postando um texto alheio. Pertence à cantata Carmina Burana, de Karl Orff. A música é famosa, mas descobri recentemente que carrega consigo um poema maravilhoso, digníssimo deste blog, mesmo não sendo meu. São pensamentos meus.
   O canto se chama Fortuna Imperatrix Mundi, ou seja,
   Sorte, Imperatriz do mundo.






[1]

Ó, fortuna
És como a lua
Mutável
Sempre cresces
E descresces
A vida é detestável
Hora escureces
Hora curas
As mazelas da mente
Os miseraveis
Os poderosos
Tu dissolve como gelo

Sorte brutal
E vazia
tu, roda volúvel
És má, és vã
É a felicidade
Sempre dissolúvel
Nebulosa
E velada
Também a mim envolve
Agora, em jogo
O dorso nu
à tua perversidade entrego


A sorte na saúde
E na virtude
Agora me é contrária
E tira
Sempre mantendo-me escravo
Nesta hora
Sem demora
Tange a corda vibrante
Porque a sorte
Abate o forte
Choremos todos!

[2]

Choro as feridas da fortuna
Com os olhos rútilos
Pois o que ela me dá
Perversamente me tira
É verdade o que se lê
Essa bela cabeleira
Quando se-a quer tomar
Mostra-se calva
É verdade o que se lê
Essa bela cabeleira
Quando se-a quer tomar
Mostra-se calva

No trono da fortuna
Sentava-me no alto
Coroado por várias
Flores da prosperidade
Por mais próspero que eu fosse
Feliz, abençoado
Do pináculo agora despenquei
Da glória privado
Por mais próspero que eu fosse
Feliz, abençoado
Do pináculo agora despenquei
Da glória privado

A roda da fortuna girou
Desço rebaixado
Outro é guiado ao alto
Demais exaltado
Rei sentado no cimo
Previna-se contra a ruína
Porque no eixo se lê
Hécuba é rainha
Rei sentado no cimo
Previna-se contra a ruína
Porque no eixo se lê
Hécuba é rainha



     Interessante lembrar que Hécuba era a rainha de Tróia, um reino que, por mais exaltado que fosse, caiu, vítima da fortuna.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Our boggarts, our fears, our prejudice

War on war

The names of hate
Are the demons of the sad
The boggarts we create
Under the peace of our bed

The words of death
Are the self-preservation
Of a child on fear meth
Eaten by the bed of desperation

The ears of teaching
Are the word that spreads
By child fathers preaching
The darkness under the beds

The strong cogs of war
Are two beds in reverse touching just by the feet
And the boggarts that lie in the middle void are
Just the names of our fear that we will never meet

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Relíquias esquecidas numa folha velha [3-3]

Comédia

Ó Dante, irmão!
Como ti, os vi, os mortos!
Ai, meu coração!

Virgílio foi teu
Guia nos caminhos tortos
E fostes o meu

Levou-me ao profundo
Ver almas de pecadores
No abismo do mundo

Nós vimos então
Penas de indizíveis dores
Sobre gerião

Chorei na Judeca
E mestre, me reprimiste
Chorar por quem peca

Então desçubimos
Pelos pelos do rei triste
E de lá saímos

Subimos montanha
Onde os que purga pediram
Recebem por manha

Ouvimos corais
Dos gratos que não caíram
E felizes ais

Vi invejosos cegos
Glutões, tântalos famintos
E os de inflados egos

Nos jardins do Éden
Infindos frutos distintos
À morte não cedem

E eis que, mestre Dante
Deixa-me aos cuidados Dela
Dama rutilante

Nadia é seu nome
Leva-me ao céu em luz bela
Logo a terra some

Por áureos espaços
Cantos de verdade vi
De almas em enlaços

Aos olhos mortais
Por bem, amor, não sorri
O brilho é demais

Logo eu, pré-funéreo
E os julgáveis olhos meus
Contemplam o etéreo

Mais alto possível
Me afaga a imagem de Deus
O resto é indizível

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Relíquias esquecidas numa folha velha [2-3]

(o terceiro poema da folha está incompleto, mas é lindo. Pesquisarei um pouco para escrever os versos finais e postarei logo em seguida)


Garganta furada

Sou um eremita
Apaixonado
Derreto-me em prantos pois esse amor
Não sei fazer falado

Passei infinitas eternidades
Trancado no pensar
E me esqueci
De como falar

Amor maldito
Que me exige tanto papo furado
Eu não posso amar
Só com o essencial falado

Fico balbuciando
Em mim tropeçando
Sou rejeitado
Sou o único com o bem me preocupando

Relíquias esquecidas numa folha velha [1-3]

Fui trocado na maternidade
Solidão apareceu
Em trabalho de parto
E como sofreu
Pois a luz a mim
Sozinha deu
Acostumada a não ser vista
Lavou-me numa pia
Virou, quando olhou de novo
Ela estava vazia
Só chorei aí
Quando vi o primeiro ser
Quando tive que com mil
Recém-nascidos conviver
A enfermeira me levara
E me pôs na cama errada
Na cama de uma pessoa
Que não fosse tão calada
E a que hoje chamo mãe
Foi então me receber
Solidão achou um outro
"É o meu? Quem vai saber?"
Desde então eu vivo assim
Sempre entre dois caminhos
O dos sempre acompanhados
E o dos sempre sozinhos

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Violências de novembro [2-2]

Molde

A barreira mais difícil de se quebrar
Não é a barreira que barra
É a que deixa passar

Não é a defesa violenta
Não a que impede o mal de entrar
Em toca de raposa coelho não entra
A barreira que vale construir
É a que assovia e conforta
Convence o bem a não sair

A barreira de madeira
O fogo pode queimar
Basta que uma tocha queira

A de aço está sozinha
E com mil milênios químicos
Se desfaz, definha

A de amor é forte
Mas precisa de sangue
Sucumbe à morte

A de dor é boa
Mas quer fugir
Não fica a toa

Toda barreira
Se um inimigo encontrar
Se perderá inteira

Tudo o que é indissoluto
Único, fixo
Terá fixo seu fim absoluto

A barreira mais difícil de se quebrar
Pense bem, porque é surpresa
Ela é feita de ar!


Violência de novembro [1-2]

Rush

Estoucansadodetermenosespaçodoquesou
Espaçodeaçosemespaçoparaumtraço
violentovaziosemvidaecomfrionocalor
Corredeirasdealumiínioofegamemdescompasso
Nasbarrasígneasdaloucuraumfechardeolhosseabafa
Eovazioentupidodeestrumeimplodeetrava
Ovaziocheiodetudodoqueprecisamossemquerer
Eaoreabriremquaseporosmoseautomotiva
Osolhoscaemdorostoúmidodefimdetardeperdida
Numdiaperdidonumrushperdidocheiodevidacheiadevazio

Omundoestácheiodevazio
Easórbitasdeneonsangramtempoquevaleoestrumedeumvolante
Umapocalipsedeestridênciadesistedoquenuncaesperou
Milcorposgordosdelataestribuchamnovermelho
Eenlouquecemderelógio
Enquantotudocorreatrásdonadaqueéviver
Avidachoraefreiacomamãooqueorádionãofazesquecer
...E o carro morre...



[Apenas o conteúdo]

Rush


Estou cansado de ter menos espaço do que sou
Espaço de aço sem espaço para um traço
violento vazio sem vidae com frio no calor
Corredeiras de alumiínio ofegam em descompasso
Nas barras ígneas da loucura um fechar de olhos se abafa
E o vazio entupido de estrume implode e trava
O vazio cheio de tudo do que precisamos sem querer
E ao reabrirem quase por osmose automotiva
Os olhos caem do rosto úmido de fim de tarde perdida
Num dia perdido num rush perdido cheio de vida cheia de vazio
O mundo está cheio de vazio
E as órbitas de neon sangram tempo que vale o estrume de um volante
Um apocalipse de estridência desiste do que nunca esperou
Mil corpos gordos de lata estribucham no vermelho
E enlouquecem de relógio
Enquanto tudo corre atrás do nada que é viver
A vida chora e freia com a mão o que o rádio não faz esquecer
...E o carro morre...

domingo, 20 de novembro de 2011

Confissão

Não falo, mas quero dizer
Amor, quero te fazer saber
Do amor, do que penso e sinto
Infeliz medo meu, porém
Afasta-me por instinto

,


Estou sem entender por que
Uma confissão seria tão ruim


Também, porém, não entendo
Em confessar o que é tão importante assim

Assim eu vivo, como sempre vivi
Morto de dúvida, medo, insegurança
O que acaba hoje, confesso, aqui.


Hoje eu falo de alguém que me ouve. Hoje eu me comunico. Não é mentira nem metáfora dizer que amo  várias mulheres. Exceto um, que está consumado, todos esses amores são tão proibidos quanto intensos.
Obviamente são não-correspondidos. Quase não-correspondíveis de quaisquer maneiras.

Cada amor é único, especial e grande, mas quase todos seguem mais ou menos o mesmo percurso:

Começam quase sem que se perceba, com uma simpatia muito forte por alguém desconhecido. É incrível  como eu tenho faro para pessoas maravilhosas: antes de perceber qualquer qualidade, eu já estou sentindo algo diferente.

A paixão se prolifera e se faz perceber. As vezes toma conta da minha vida, outras vezes lhe dá força e sustentação. O que ela sempre traz, nessa fase, é alegria e bem-estar, especialmente em ver a pessoa, ler o que ela escreve, pensar nela, vê-la com a mente, de qualquer maneira. É lindo.

Em geral essa paixão se consolida e esfria. Se acalma e se torna amor. E é aí que a minha vida ganha razão, que tudo o que me faz existir ganha uma nova dimensão e eu me pego pensando que aquela pessoa não tem a menor ideia de que é tão especial para alguém tão aleatório. Em geral eu tento contato, fico amigo, ganho simpatia e companhia. É um amor puro e sincero, mas esconde, secretamente, um desejo de ter a pessoa, que espera.

Um longo tempo passa, e eventualmente, o desejo perde a paciência. Eu sinto um pouco de inveja, especialmente em ver a pessoa com amigos ou namorados, mas não muita. Sinto um pouco de angústia por não ter a pessoa, mas não muita. Sempre conformado com a situação, não me deixo abalar por isso. O que toma conta, e não é mais controlável, é um desejo muito forte de confessar. Se não posso ter a pessoa que amo, desejo ao menos que ela saiba.

Esse desejo conflita com a timidez que caracteriza esse tipo de amor. Timidez e desejo de confissão comprimem, cada um de um lado, um coração forte, calejado, mas ao mesmo tempo muito sensível. Eventualmente eu sempre confesso. Poucas meninas nunca souberam que eu as amo (consigo me lembrar de duas, dentre as que mais amei).

Estou exatamente nesse cume de uma paixão, e confesso de uma forma recatada e misteriosa. É uma forma que eu encontrei de ao mesmo tempo satisfazer meu desejo e driblar a timidez: eu não confesso de forma direta e certeira, mas não deixo de confessar. Em geral, como eu amo pessoas boas e de coração, elas compreendem, o que sempre me deixa feliz

Segue-se um abrandamento de relações. Preciso enfatizar que nunca, jamais, deixei de amar alguém que amo. Amar é algo mais, é um fortíssimo voto de vida. O que se perde é a paixão, o desejo e o costume de pensar na pessoa. Longe de ser esquecida, a pessoa se torna um amor sem prática ou presença. Verdadeiro como sempre, mas não mais influente em minha vida. E o processo se repete com outra boa alma.
Gosto de sonhar com a união eterna, mas não vou me iludir: isso provavelmente vai acontecer com você, minha amada (a menos é claro, que você também sinta algo por mim. Por pura paixão, não deixo de pensar nessa possibilidade). Mas quero que, se é que você entendeu que a confissão é para você, lembre-se do seguinte:

Eu não quero nada de você, além de que você seja feliz, e da possibilidade de ser parte disso

Não tenha medo de mim. Detesto muito causar medo a quem tanto amo. Sou o mesmo que você conhece, e não mudarei de postura sem claro indício de que você quer que eu mude.

Mais importante do que tudo isso: conte comigo. Eu sei que, se tiver um problema ou uma angústia, você dará preferência a amados e amigos, mas não se esqueça que meu amor por você nunca morrerá, e quando precisar de qualquer coisa que eu possa oferecer (em especial companhia e carinho), eu me lembrarei de você.

Eu me lembrarei de você. Eu te amo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ao amor, como é.

Quieto

Eu vou esperar a palavra
A palavra que não será dita
A que nunca foi pensada
A palavra que só existe
Mesmo assim sem existir
Em asilo político
Nos esgotos do meu existir
Eu vou esperá-la

Eu vou esperar ela voltar
Dos olhos de medusa
Dos amores de Iara
Das garras de cérbero
Eu vou esperar 
O zero valer um
O sol se por no leste
E o cervo comer mil leões

Vou sentar-me
Na tua concha vazia
Fechar os olhos
Ouvir tua música
E me deixar passar
Esperar

Verei em mim a palavra
Cada vez menos
Enquanto a memória
Espera a espera acabar 
Como quem quase finge
Que não sabe
Que está esperando
 A espera acabar


E a espera acabará
Como tudo o que não é tudo
Numa projeção espiralante do infinito
Além do que entendemos
Não haverá mais cervo ou leão
Ou sol ou leste
Ou zero ou um
Nem nada que não seja tudo

E nesse escuro vazio
Não haverá espera
E lá, enfim
A memória será sincera
Não haverá palavra
E eu dormirei




sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Angustia

Clepsidra de vácuo

Na noite trêmula de Poliana
Cacei uma rosa no jardim do espelho
Mas a rosa já não era uma rosa
Era uma insígnia de aço vermelho

No rosto doce da cuia vazia
Segui o caminho que já sei de cor
Mas o caminho não era caminho
Só a seca justante do meu suor

Pela escadaria de um beijo sozinho
Dancei com luzes numa espiral viva
Mas a tal vida não era mais vida
Era só um espelho feito de saliva

Dos rios estanques de tatos rugosos
Saltei ao mar das imagens sem portos
Mas o que se diz mar não era mar
Era um balde de sonhos natimortos

Por todo o tempo que tive para ter
Nadando na eterna água, eu não sabia
Que aquela água nunca fora água
Que a clepsidra estava vazia

domingo, 30 de outubro de 2011

Antítese de dois efeitos psicológicos

A coisa mais fluída do mundo é a imaginação
A coisa mais viscosa do mundo é o tempo
Não é a toa que a imaginação se perde no tempo
E o tempo não se acha na imaginação

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

À jóia de minhas tardes tristes

Brúnica

Bruna, meu amor
Não entendo o mundo
Por precisar de amizade

Por não querer a dor
Ou um amargor profundo
E evitar a saudade

Eu não entendo quem
Tem medo da solidão
E que, quando te vê

Não deixa de ter o que tem
Não deixa o resto no chão
Para só querer amar você

domingo, 23 de outubro de 2011

Ecos de 1922 [2-2]

 Reprodução


               A                   R                   A                  R                   A               
A     R     A    R     A     R     A    R      A    R     A     R    A
ARARARARARARARARARARARARARARARARARARA

sábado, 22 de outubro de 2011

ecos de 1922 [1-2]

Arte moderna
Ar te moderna
A te modernar

A moderno tear
Te moderna o ar
Ao modernar-te

Mar te moderna
Marte moderna
Tem ar moderna

seta modernar
artes moderna
arte modernas

te era moderna
e arte moderna
e arte moderne

a ar te moderna
a arte moderna
arte amoderna

a esmo arte moderna

domingo, 16 de outubro de 2011

O sentido da vida.

Ser

Vejo minha vida
Como que numa caverna
Perdoe-me Platão
Mas não há uma área externa

Todo dia que vem
Passo o dia a escavar
O buraco que é
A caverna a alargar

Quando eu me canso
De cavar como uma lesma
A caverna, à noite
Desaba sobre si mesma

Todo dia que há
Eu só cavo, sem cessar
E até percebo
Que é sempre o mesmo lugar

Sombra de si mesma
A vida não tem sentido
O que faz-se em dia
Vê-se a noite destruido

A vida é Penélope
E a morte sua pretendente
Mas sua esperança
Odisseu, morreu doente

Tomados uns dias
Para fitar o vazio
Cansaço esvair
Aos poucos me alivio

Com súbito espanto
Me giro adentro de mim
Vejo, boquiaberto
Espaço branco sem fim

Em vez de cavar
Em falso em rocha divina
Projeto, desenho
E crio vida genuína

Bilhões de Universos
Onde um segundo é uma era
A felicidade
Que se queira ter, impera

Mundos de cristal
Tempo e amor infinitos
Mundos de papel
Com pensamentos transcritos

Parques e florestas
Infindos seres e plantas
Civilizações
Suas meretrizes e santas

Porque então dizer
Que a vida não tem propósito
Se dentro de mim
Há um infinito depósito?


Em vez de cavar
Dentro de um nada sem fundo
Faço-me meu tudo
Sou o Deus de meu próprio mundo



A Anaïs


    Não vou suprimir, desta vez, o nome da amada. Não quero mais esconder isso. Não acho que ela vai ler isto, mas se ler, não vou ficar com medinho da verdade. Eu amo Anaïs fernandes. Que seja eterno enquanto dure!


Órbita

Sem pressão
Num frescor condicionado
Leve, imponderável

Eu orbito um olho

O olho de Anaïs
E eu sou uma boca
Com pressa para se derramar
Atirando minha vida
Na esperança de que minha força
A leve até o olho
E mais do que vista, seja sentida

Não pensei em amor ou amizade
Não em distinguí-los
Apenas em ser mais do que eu
Ser Anaïs
Bater com seu peito
Viajar em suas sinapses
E me deixar levar
Leve, imponderável
Com seu sangue vivo

Não seja ingratidão
Pelo quanto me olhou, amada
Pelo quanto ouviu
Pelo que não ficou calada

Mas meu coração
Queria ser o seu

Anaïs
Deusa do amor
Você não me tem
Mas eu sou tido por você
Por maior que seja a distância
Eu orbito você
Lenta e prazerosamente

E, se um dia você chorar
Só espero estar
Perto o suficiente

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Mais um engasgo poético, para quem não cansou.

Espasmo de desejo sexual causado pela imagem da amada tendo sexo com um amigo

Escravopreso
Presocionado
Cravado, incrustado
Num bloco de pele
Pele viva, móvel
De algo, de alguém
De um pedaço de mulher
Terracotas de quatro
Óleo sobre a tela do não ser

Prefiro lamber o chão
Do que morrer de fome de sexo

Palavras engolidas.




Poetry eater
Poet eat
Poet
Pot
O

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Um livro aberto

"Eu sou um livro aberto. Cabe a quem me lê escolher os capítulos que quer ler."



Visível

Todos tem medo de se expor
Eu tenho só de me esconder
Queria escritas no meu rosto
As bizarrias do meu ser

Eu prefiro de mil pessoas
Discretas e boas ser privado
Para evitar a companhia
De um só infeliz discreto e errado

E mais do que isso, não sequer
Ter minha própria companhia
Só eu sei o que minha alma quer

Já estava bom, sem nem sequer
O que eu não sabia que teria
Uma exposta e boa mulher

domingo, 2 de outubro de 2011

Votos de aniversário, na visão de um Engenheiro-poeta

Fiz este poema há uns dois minutos (levei uns três), para minha amiga Arianne, mas ele expressa, de modo bem geral, minha opinião sobre votos (Feliz [insira data comemorativa aqui]!) 


Feliz aniversário!


Desejar, eu desejo felicidades
Desejar, eu desejo muito amor
Desejar, eu desejo saúde
E que te deixe toda a dor


Desejar, eu desejo as montanhas
Desejo um Dalai Lama de paz
Desejo o trono de Deus, o bem de mil homens
Prazer, alegria, amizade e tudo o mais


Agora, para mim, o que mais vale
É ser eu mesmo a arma contra o mal
É ficar ao seu lado neste ano
E tornar o supra-escrito real

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Axai e seus mundos [1-1]

Nya

     O mundo de Nya é um dos únicos mundos vivos do Universo Axai. Ele é chamado, pelos seus habitantes, de Ny, que é o nome do ser vivo que dá estrutura ao mundo. Mãe Ny, mais especificamente. Mãe Ny é uma árvore. Mas não é uma árvore comum: ela cresce em todas as direções do espaço. O centro de Ny é uma grande esfera de caule, recheada de raízes que se encontram no ponto onde está o coração de Ny. O exterior da esfera é revestido com uma lisa casca. Dessa esfera central crescem, em todas as direções, caules imensos, que se subdividem e ficam progressivamente mais finos a medida que sobem quilômetros de altura. Em todos os caules há pequenos ramos que terminam em folhas. Cada ramo dá folhas de uma cor, sempre em tons leves e agradáveis. Por toda a parte, os ramos dão frutos únicos, absolutamente distintos e jamais um será igual ao outro na forma, cor, estilo e sabor. Todos são comestíveis, e todos são saborosos. A seiva de Mãe Ny goteja de pequenas aberturas em sua casca e se acumula em caules em formato de bacia, formando fontes de seiva. A seiva de  Mãe Ny é muito doce e nutritiva para os habitantes de Nya.
     Estes habitantes são os Nyvall, "filhos de Ny", em tradução livre. O nome é adequado, pois todos crescem em Mãe Ny como frutos nos galhos, e depois se soltam, adquirindo vida "própria". Todo Nyval (um l indica singular) é dependente da mãe Ny, no sentido em que seus corações estão espiritualmente ligados. A vida de Ny é condicionada pela vida de seus filhos (sem eles, ela morreria), e a vida deles é condicionada pela vida de Mãe Ny (se algum dia Ny morrer, todos morrerão). Quando um Nyval nasce, forma-se uma ligação entre seu coração e do de Mãe Ny. Essa ligação enfraquece com o tempo e, um tempo exato depois (correspondente a aproximadamente mil, quatrocentos e dezenove dias da terra) essa ligação se rompe, matando sem dor o Nyval.
     Os Nyvall parecem-se muito com sementes, mas feitas de caule. São ovalados e possuem a mesma textura de Mãe Ny. Não há gravidade em Nya, então todos se movem exalando gases em alguma direção. O rosto dos Nyvall é característico, com apenas um orifício, que assume o papel de quatro sentidos. O corpo do Nyval é coberto por ramos semelhantes aos de Mãe Ny, com folhas e até frutos únicos. É uma grande diversão para os Nyvall comer os frutos do corpo de outros.
     Os Nyvall vivem e morrem como crianças e nunca tomam consciência do fato de que morrerão. São seres quase absolutamente puros, que vivem em harmonia com sua mãe e com sua frágil e infantil vida. Não compreendem abstrações nem criam definições ou nomes. Quase tudo em Nya é temporário, então nomes não se propagam. A própria palavra "brincar" não existe, porque os Nyvall não pensam em nomear a única coisa que fazem. "Vida", "Felicidade", "sociedade", não constam na língua de Nya. Os Nyvall vivem a explorar seus sentidos e seu senso de humor, que é quase absoluto. Os altos seres que já estiveram em Nya, principalmente Ayaky, dizem que o mundo é constante e incessantemente permeado por risadas de Nyvall.
     Mãe Ny possui consciência, e é um alto ser (possui conhecimentos do Omniverso). Surpreendentemente, alguns Nyall podem, através de definições puramente empíricas, compreender o Omniverso e elevar-se individualmente. Esses fatos levam alguns a considerar Nya um "mundo médio", pois embora a sociedade de Nya não o conheça, alguns seres isoladamente o descobrem. Mãe Ny pode comunicar-se diretamente com seus filhos, mas raramente o faz, porque não precisa.
     Existem quatro tipos de ligações entre os filhos de Mãe Ny (nomeadas pelos Ayaky). A ligação Syv é a mais baixa, relativamente rara, e indica um certo desgosto. Como para as crianças, a raiva dos Nyvall é esporádica e jamais se converte em ódio. Ligações Syv duram no máximo algumas horas, mas são perturbadoras para os Nyvall e mais ainda para Mãe Ny
     A segunda ligação é Izst, que é "uma indiferença harmônica e amigável".A grande maioria dos Nyvall tem essa ligação com todos os demais.  Os Nyvall tratam seus conhecidos como os humanos da terra não tratam amigos, ou até amantes, mas por trás da amabilidade profunda da relação Izst há uma certa indiferença, necessária para que os Nyvall sobrevivam emocionalmente à morte dos demais.
    A terceira ligação é Vnumi, a "amizade". Nyvall com essa ligação passam a manter-se sempre próximos, tocar-se com frequência, e riem muito mais do que os outros. Não são, surpreendentemente, muito comuns. Coisas como amizade são muito complexas para a mente simplista e sentimentista desses seres.
     A quarta ligação é Nyve, e é uma das coisas mais belas de toda a Falange Onírica. É raríssima , podendo se passar dezenas de anos sem um único par de Nyves em Nya. A ligação se forma entre os corações dos dois Nyall, do mesmo modo que estão ambos ligados a Mãe Ny. As ligações entre Ny e um casal de Nyves formam, dizem os Ayaky, o triângulo conceitual mais belo de Axai. Um par de Nyves para de brincar e de rir e passa a viver em função dessa relação, de uma forma profunda e espiritual. Tornar-se um Nyve é a única coisa que pode mudar o tempo de vida de um Nyval, pois os dois Nyves imediatamente igualam seus tempos de vida aritmeticamente (se, por exemplo, um Nyval com um dia de vida restante tornar-se Nyve de um com três, ambos viverão mais dois dias). Um casal de Nyves morre exatamente ao mesmo tempo, deixando Nya tão belamente quanto quando nela estiveram.
     Só há duas coisas permanentes em Nya. Uma é a própria Mãe Ny, e a outra é Siya, a sacerdotisa de Nya. Foi a primeira filha de Mãe Ny a nascer, e será a última a morrer. Siya é uma pequena esfera de caule coberta com folhas e possui olhos, além do orifício universal. Ela é a guardiã dos Nyall. Está sempre pendurada nos mais altos galhos de Mãe Ny (onde ficam os frutos mais saborosos, mas onde os Nyall não podem ir, pois há perigo de caírem para fora do mundo). O dever de Siya é não permitir que os outros tentem fugir para fora de Nya, porque são curiosos e não sabem que morrerão se afastarem-se demais da mãe. Siya tem paciência infinita e uma serenidade única. As vezes brinca com os irmãos mais novos, mas sempre em paz.
     Os Ayaky preveem que, como todo ser vivo, Ny nasceu (de emanações da Falange Real), vive, e um dia morrerá, trazendo fim a Nya. Os Ayaky sabem, com certeza, mas o que vos escreve não sabe dizer se há a possibilidade de Ny deixar alguns filhos para reconstruirem mundos como ela fez. Resta torcer, em nome da beleza do futuro, para que sim.

Guilherme Antonini
São Paulo, Brasil, Terra, Realidade, Falange Real, Omniverso
19 de setembro de 2011

Axai e seus mundos [Prefácio]

     Vou contar para vocês um segredo que não é um segredo (por isso mesmo, vou contar): eu tenho um Universo. Eu vejo nosso Universo como parte de um Omniverso, ou seja, o conjunto de tudo o que:


1) existe ou pode existir (no sentido de ser percebido pelos sentidos humanos como pertencente a este mundo), formando a Falange Real. Nosso Universo pertence a ela, assim como a terra, a gravidade e a matemática.

2) Já foi imaginado (concebido pela mente humana), formando a Falange Onírica. James Bond, Pernalonga ou o seu amigo imaginário de infância pertencem a esse campo.

3) Nunca foi imaginado, mas pode ser, formando a Falange Potencial. Nela, literalmente, está tudo o que você pode imaginar. Essa falange é infinita e, portanto, há um constante fluxo de idéias dela para a Falange Onírica, movimentadas por emanações da Falange Real, ou seja, os pensamentos humanos.

Se houver alguma coisa além dessas Falanges, esse algo não pode nem nunca poderá ser concebido pela mente humana (se pudesse estaria em uma delas), e portanto não convêm sequer definir algo externo ao Omniverso, porque definir é conceber, e se algo é conceptível, está dentro do Omniverso.

Sendo assim, eu criei um Universo que assumidamente paira sobre a Falange Onírica, sendo lentamente expandido pelas emanações da Falange Real. Nesse Universo coloco os meus mundos. Mundos que eu crio. Pequenos e simples, mas cheios de sentimentos e imagens. O Universo se chama Axai, e é dividido entre o baixo Axai (a maioria dos mundos fica lá), e o alto Axai. A diferença não é geográfica, depende da natureza dos mundos. Um mundo cuja população tem consciência da existência do Omniverso e de seu papel nele é um alto mundo. Naturalmente baixos mundos lentamente sobem, à medida em que descobrem as grandes verdades. Ayak é um exemplo de um alto mundo, e Ibis, Iaag e Nya são baixos mundos.

Dito isto, apresentarei no próximo post o primeiro mundo de Axai que eu descrevi plenamente. É um minúsculo e belíssimo mundo chamado Nya.

O caderno preto [42-42]

Alguns dizem que homem é animal
Outros dizem que não
Eu diria "calma"
"um homem...

Sem comer, é uma pedra
Sem parar de comer, um parasita
Sem dormir um zumbi
Sem parar de dormir um cadáver
Sem estudar um vegetal
Sem parar de estudar... bom... também

Sem fazer sexo é uma máquina
Agora, sem parar de fazer sexo
Ai sim, digo sem rodeios
É um animal

O caderno preto [41-42]

Eu
Com meus poliamores
Gosto de fingir que não conheço Vinicius de Moraes

Porque antes de conhecer Vinicius de Moraes
Eu conheci o orgulho de poetizar
Sobre o amor eterno enquanto durar

Poetas não se gostam tanto
Quanto leitores gostam de poetas
Nada pessoal
Mas não há nada pior
Do que descobrir que sua arte nova
Tem precursor

Odeio me identificar com ele
Odeio ser comparado com ele
Mas aqui entre eu e este poema
Fico feliz em não ser o único

Talvez minhas sereias
Ao conhecerem meus tormentos de amor
Usem Vinicius
Para me desesdruxular em si mesmas
E se não puderem me amar
Que me respeitem

O caderno preto [40-42]

O fim

Para o homem
A tudo se antecede um propósito
Exceto aos sentimentos
Os sentimentos são fetos de Deuses

Não a toa,
Nas religiões,
São a porta para Deus
Não são questionáveis

Agora, o sentido da vida
Falemos em um propósito para a vida
Os sentimentos são parte dela
A vida em todo, portanto,
Não pode ter propósito
Mas o viver, como o agir da vida
Ele pode, e deve ter um propósito
O propósito da vida
Deve ser um sentimento
Porque se não for
Não há outro, só por isso

E se achar isso baixo e triste
Para de achar, e sinta-se um Deus

O caderno preto [39-42]

Poesia minha
Não diga que és a mim
Diz-me "sou outro"
A vagar por este espaço
E conta-me uma história
Que em vida nunca ouvi
E faz-me um carinho
Que de mim não recebi

Escrever
É fazer a estátua de alguém
Com a própria carne
Para que, por um segundo
Perca-se da própria solidão
E sinta-se como os que não escrevem
Sinta-se sintonizado

Sinta-se amado
E, mais importante,
Ame
Dê vazão a um amor
Barrado pela realidade
Recusado pela sociedade
Mas inevitavelmente sentido
Gritando nas veias
Escrever é explodir

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Crítica ao ato de choramingar

Desmungo

'Minha vida é má comigo'
Eu te juro que não entendo
Que entender eu não consigo
Como você não está vendo

Onde está a sua vida?
Lá no céu, olhando a ti?
Lá nos infernos caída?
Não amigo, ela está aqui.

Como sua vida se chama?
Qual é sua identidade?
A vida da qual reclama
Ela mora em que cidade?

Dessa vida, qual o ofício?
Qual seu semblante grotesco?
A que te é tal malefício
Com ti tem que parentesco?

Pense nisso, tire o atraso
Compreende, agora vê?
Não adianta culpar o acaso
A sua vida é você

terça-feira, 6 de setembro de 2011

à bailarina ferida, Nadia Kafka

Extrasístole

A bela bailarina, amada dançarina
Segue com precisão o tempo do coração
Mas é de sua sina, ah, da pobre menina
De ter uma omissão na bela percussão

Como som de rotina, metrada, divina
Como numa explosão, perde se de seu chão
Surpresa repentina, a sua alma desafina
E bate em frouxidão, falha de condução

E toca o som dramático de não seguir
Sequer seus próprios passos, compassos enfim
E toca a arritmia da alma partir

Mas por trás dessa falha em tão puro rubi
A mais bela atitude tu tens, e assim
Por trás de toda a falha, sincera, sorri

O amor dentro de um processador

    Aos leigos, convêm explicar. Não adianta eu ficar fazendo metáforas com tecnologia que só engenheiros e afins, desinteressados pela minha obra, entenderiam.
   Um chip de computador (como um processador) é um aparelho que mede alguns micrômetros (milhonésimos de metros), mas possui dezenas de milhões de transistores. Um transistor é um aparelho que tem uma porta, por onde entra eletricidade, e um dreno, por onde pode sair. Se a bobina do transitor for energizada por outro circuito elétrico, a eletricidade sairá pelo dreno (posição de memória 1). Se não estiver, a eletricidade não sairá (posição de memória zero). É a associação desses milhões de transistores que gera os códigos binários que programam nossos computadores. Tudo o que você manda um computador fazer é codificado por minúsculos circuitos elétricos com zeros (transistores fechados) e uns (transistores abertos). Acho que isso bastará para a compreensão da metáfora que idealizei aqui.


Matriz de solidão

Circuitosonos
Mil universos de fios
Milhões de milhões de transistores
E todas as portas
Abertas a você
Todos os drenos
Voltados a mim
E você, distante!
A nanômetros de distância
Mas inacessivel

Minha lógica é binária
Ter qualquer coisa de você
Qualquer porta, qualquer processo
Ou não ter nada
Alguns caminhos
Vão a 11111111
Direto para mim
Mas alguma hora
Nem que seja o último bit

Há uma porta fechada
Um dreno vazio
E você fica a uma distância
Eletromagnéticamente infinita
Da minha esperança
Que, por sinal,
Já me falha à memória

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Denúncia da razão sofista

Reflexões de um mundo de sabedoria

Pierapian
É um mundo
Em que tudo é feito de espelho

Quando foi criado
O mundo foi feito para ser
O mais claro, mais visível
Onde tudo o que se olha, se vê
Por isso Pierus, seu arquiteto
Tornou todas as superfícies
Espelhos perfeitamente lisos

Na grande inauguração do mundo
Quando a fita foi cortada
Uma embaraçosíssima realização:
Pierapian não tinha fonte de luz!

Imediatamente os convidados
Foram levados a um bufê
E enquanto isso, galopantemente,
Pierus construiu um imenso sol
Mal feito, mas forte, muito forte

Agora sim,
Agora enfim,
Pierapian seria um mundo perfeito
Tudo visível reluzentemente
Não haveria dúvida,
Angústia, incerteza, ignorância
Tudo seria óbvio e belo

A segunda inauguração
Estourou os limites do embaraçoso
E caiu sobre o desastroso
Pierapian refletia a luz do sol
Com uma ofuscância tamanha
Que Pierus e os convidados
Ficaram permanentemente cegos
Só de olhar

Num mundo de espelhos
Só de espelhos
Nada é visível, nada é claro
E nada que se olha, se vê
Uma forte luz artificial
É eternamente rebatida por corpos vazios
E quem tentar entender qualquer coisa
Será atirado na escuridão da cegueira
Resta saber
Que perfeição é equilíbrio

domingo, 21 de agosto de 2011

Meu lado

Dualismo

Só existem duas coisas no Universo:
Eu
E o resto do Universo

Por sorte, portanto,
Eu controlo metade do Universo

Acho que as pessoas são tristes
Porque controlam só uma pequena parte do resto
E por isso, se vêem pequenas
De fato, existem bilhões no mundo
E bilhões do mundos no Universo

Mas pela minha máxima
Eu controlo metade das coisas do Universo
E metade já não é de se jogar fora
É bastante o que administrar
E não é só isso

Acho que as pessoas são tristes
Porque por mais que tenham
Nunca serão grandes
Nunca serão mais que um octilhonésimo
Desta existência

Mas pela minha máxima
Se eu tiver apenas a mim
E a uma coisinha a mais
Sou o acionista maior de toda a existência

Por isso, me contento com muito, muito pouco
Qualquer coisa do resto do Universo
Que seja minha
Me faz Deus em pessoa
Não preciso de muito

Mas é claro
Se você quiser dizer
Que se fosse assim
Você, que é Você, também teria metade
E portanto bilhões de pessoas não teriam nada

Eu digo
Que o Universo que se divide
Em Você
E o resto do Seu Universo

É diferente
Do Universo que se divide
Em Mim
E no resto do Meu Universo

E se você não divide Seu Universo
Em Você
E o resto do Seu Universo
Ele não é assim
Porque você manda nele
E se não manda ele ser assim
Ele não é

Se você não divide ele assim
Vai mesmo ficar com um octilhonésimo d'Ele
Queria o quê?

De uma vida quase dupla

Duas decisões

Ser quase menos que poeta
Ser quase mais que engenheiro

Polir a técnica
Calcular a arte
Dimensionar emoções
Poetimizar
Inovar o verso
Rumo ao intento comum

Decidir

E é por esse estandarte
Que levanto às cinco e meia
E integro o cajado e a calculadora gráfica
E decidido, decido o que posso
Faço do meu engenho arte
E da arte meu engenho
Eternamente
Poeta e engenheiro

O caderno preto [38-38]

Três desculpas para a bebedeiras feitas por quem não bebe

(I)

As vezes
Olho para meu fígado e pergunto
"Na minha situação, o que você faria?"
Com um sorriso amarelo, ele responde:
"Exatamente o mesmo"
E continuamos nós dois, incontinentes

(II)

Se eu fosse Prometeu
O álcool seria meu corvo

(III)

Sempre me disseram para valorizar meu corpo
Não quero morrer
E deixar um bom fígado para estragar

O caderno preto [37-38]

Entropia

É a irrefutável prova científica
De que o Universo é preguiçoso

O caderno preto [36-38]

Blá

Falar
É a perversão aguda de poetizar
É abortar fetos de idéias
É quase pensar, quase ensinar
Mas não é nenhum deles
Nem nada

Falar não é falar com alguém
É falar para alguém
Quem fala não ganha

Falar é não dizer nada
Quando se fala para alguém
Quem ouve não ganha

Conversar é atropelar-se
Perder-se em si, tropeçar
Correr para acompanhar
E falar sem dizer
Com o único e vazio intuito
De falar

Ah, e como percebe o poeta
Que em seus escritos nada é em vão
Seja por um segundo ou um ano
Cada verso fermentou
O tempo que devia
É o sabor da poesia

Quando se fala
E, por acaso, se ouve algo bom
É mal aproveitado
Logo regurgitado
No cartório deserto do passado
E morre

Não que a poesia não acabe assim
Mas quem fala dá sedativos à memória
Quem escreve ainda tem chance

Tudo o que já foi dito morreu
Do que foi escrito, apenas
O que não se transcreveu e se apagou

Um escrito pode ser dito e redito
Tanto quanto dura o papel
E se um dia, após anos de esquecimento
Alguém abrir um velho baú
E, por acaso, gostar da velharia
Ela revive

Poetizar é se prolongar
É valer mais
É ser mais
É ser, enfim
Mas do que um álbum de fotos
Sem volta

Ainda quem fala sozinho
E não com alguém
Ao menos está pensando

Falar sozinho
É falar com alguém
Falar consigo mesmo
Pensar com a voz
É dar vida ao pensamento
E vê-lo bem

"Sozinho" mesmo
Fala quem conversa
Porque nesse pingue-pongue
Não há tempo para ouvir
Ouvir de verdade, profundo
Só responder

Melhor escrever, ainda
Mas ao menos sozinhos
Garantimos a sintonia perfeita
Entre o falante e o ouvinte
Aquele só fala quando o outro está pronto
Para ouvir

Como na poesia
O leitor lê no seu ritmo
E o escritor escreve no seu

Aproveitar bem as palavras
É qualidade que se desenvolve
Mas numa conversa é impossível

Falar não estimula
A autenticidade
É fácil escrever rápido como falar
E se por acaso, por um deslize
Algo for pouco ou mal pensado (e acontece)
É só apagar

Quando falamos um erro
Nos perdemos na vergonha
Tentando consertar

Falando sozinho
Também se houver erro
Basta ignorar

Justamente por esse poder
De estar mais certa
A escrita é deserta
Quando se fala bem
É fácil ter uma razão
Atificial

Basta treinar
E na hora de falar
Correr
Não deixar-se acompanhar
E o opositor se perder
E fim

Tem razão quem pensa mais rápido
E assim o canalha ignorante
Carismático, dançante
É tido como sábio
E ganha um poder
Desmerecido

Nossa cultura
Toda essa pressa
O futuro esquecido
São frutos da velocracia
Verbocracia
Verborragia

E se alguém discordar de mim
Quero saber
Mas por favor
Pelo amor
Me responda veementemente
Por escrito

O caderno preto [35-38]

Tântalo da angústia

Querer, e não querer querer o que se quer
Entorto minhas tripas sobre o coração
Escondo a todo custo de você, mulher
O controverso amor, impensável e vão

Que antes eu amasse um pássaro doente
Uma figura histórica, um caso perdido
Mas não algo que todo dia jaz à minha frente
Que eu não posso ter, tântalo enlouquecido

Enquanto estas sofridas linhas são sangradas
A meio passo apenas de mim você está
Tudo o que sonho está ao raio de minhas patadas

Mas se por um segundo apenas me perder
E um passo de formiga me aproximar
Dez metros o seu corpo vai retroceder