Blá
Falar
É a perversão aguda de poetizar
É abortar fetos de idéias
É quase pensar, quase ensinar
Mas não é nenhum deles
Nem nada
Falar não é falar com alguém
É falar para alguém
Quem fala não ganha
Falar é não dizer nada
Quando se fala para alguém
Quem ouve não ganha
Conversar é atropelar-se
Perder-se em si, tropeçar
Correr para acompanhar
E falar sem dizer
Com o único e vazio intuito
De falar
Ah, e como percebe o poeta
Que em seus escritos nada é em vão
Seja por um segundo ou um ano
Cada verso fermentou
O tempo que devia
É o sabor da poesia
Quando se fala
E, por acaso, se ouve algo bom
É mal aproveitado
Logo regurgitado
No cartório deserto do passado
E morre
Não que a poesia não acabe assim
Mas quem fala dá sedativos à memória
Quem escreve ainda tem chance
Tudo o que já foi dito morreu
Do que foi escrito, apenas
O que não se transcreveu e se apagou
Um escrito pode ser dito e redito
Tanto quanto dura o papel
E se um dia, após anos de esquecimento
Alguém abrir um velho baú
E, por acaso, gostar da velharia
Ela revive
Poetizar é se prolongar
É valer mais
É ser mais
É ser, enfim
Mas do que um álbum de fotos
Sem volta
Ainda quem fala sozinho
E não com alguém
Ao menos está pensando
Falar sozinho
É falar com alguém
Falar consigo mesmo
Pensar com a voz
É dar vida ao pensamento
E vê-lo bem
"Sozinho" mesmo
Fala quem conversa
Porque nesse pingue-pongue
Não há tempo para ouvir
Ouvir de verdade, profundo
Só responder
Melhor escrever, ainda
Mas ao menos sozinhos
Garantimos a sintonia perfeita
Entre o falante e o ouvinte
Aquele só fala quando o outro está pronto
Para ouvir
Como na poesia
O leitor lê no seu ritmo
E o escritor escreve no seu
Aproveitar bem as palavras
É qualidade que se desenvolve
Mas numa conversa é impossível
Falar não estimula
A autenticidade
É fácil escrever rápido como falar
E se por acaso, por um deslize
Algo for pouco ou mal pensado (e acontece)
É só apagar
Quando falamos um erro
Nos perdemos na vergonha
Tentando consertar
Falando sozinho
Também se houver erro
Basta ignorar
Justamente por esse poder
De estar mais certa
A escrita é deserta
Quando se fala bem
É fácil ter uma razão
Atificial
Basta treinar
E na hora de falar
Correr
Não deixar-se acompanhar
E o opositor se perder
E fim
Tem razão quem pensa mais rápido
E assim o canalha ignorante
Carismático, dançante
É tido como sábio
E ganha um poder
Desmerecido
Nossa cultura
Toda essa pressa
O futuro esquecido
São frutos da velocracia
Verbocracia
Verborragia
E se alguém discordar de mim
Quero saber
Mas por favor
Pelo amor
Me responda veementemente
Por escrito
Nenhum comentário:
Postar um comentário