quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Pequena pérola perdida

Hoje a alquimia do meu amor
Transformou em chumbo meu coração
Desfaleço, não caminho
Sob o peso da transformação

domingo, 16 de dezembro de 2012

Do que me corrói, e do que protejo de ser corroído

Dissidência

Eu odeio o ícone!

Isso mesmo, o ícone

Esse avô lendo um jornal fedido ao som de Bach

Só pelo ato de se ler um jornal fedido ouvindo Bach

Que usa suspensórios, porque não há o 'não-usar-suspensórios'

Nem pode haver


Eu odeio o ícone!

Esse mesmo, que você odeia

Mas odeia porque lhe parece devido odiar

Olhe para trás, e me diga onde o ícone

Como medalha de soldado

Mais espetou do que honrou

Odeia porque odiar o ícone é confortável

Mas é confortável porque é ícone

Velho culto!

Você é ícone!

E eu te odeio

Porque você me machuca

E por nada mais

E te amo quando me afaga

Te odeio se me apedreja

Não te beijo se me escarra

Te machuco? Me despreza?

Mas me despreza porque te machuco?

Não passou a dor? O que ficou?

Só um velho lendo jornal de suspensórios

Não porque machuca, mas porque machucou

Não digo, me perdoasse

Não digo, me entendesse

Digo que fique com quem lhe faz bem

Porque fazer bem é bom

E se faz mal

Espera o mal passar

E volta com um escudo

Não com uma espada

Que o velho agora bate em seus netos

Porque está sozinho

E eu, como o ícone, no outro canto

Por inveja, só me deixou

Novamente com aquela saudade de saudade

Icônica, para dizer muito

A linha do ícone

Só não parece arbitrária

Porque é fixa

Mas é móvel, e arbitrária

É só viscosa, e mãe do sentido

Enquanto minhas pernas doem

E como explicar que não é o andar

São os suspensórios

Cheiro mal, não é o banho

É o jornal

Fico surdo, não é Beethoven

É Bach

Eu odeio o ícone!

Porque o ícone me machuca

E o ícone me odeia

Sem porque, porque porque o machuca

Odeia todos, porque, para ele, amar é uma conjectura

Mas se sentir confortável... Ah! O conforto!

Tão longe do irmão, o confronto!

Conforto é o nome pútrido da metaestabilidade

Um princípio cego de quietude

Usurpador da satisfação

Mãe de todos nós

O conforto é aquele menino ajustado a tapas

Brincando feliz com  uma tábua quebrada no chão

E, mais do que o avô, odeia os porquês

Porquê o machucam

Sim, odeia verdadeiramente

Mas dentro do estigma da palmatória

E, tendo um porque

Se odeia, se sofre

E se esquece, brincando com sua tábua quebrada no chão

Porque? Ele cai de costas.

Não só não há

Não pode haver

Conforto, eu conheço outro

Sobrinho daquele, filho do Confronto

Esse é um infante sorridente

No colo da avó Satisfação

Com um chocalho, que todo dia quebra

Mas nunca está quebrado

Egressos do império do Ícone

Vivem de esmolas em minha casa

E eu hei de protegê-los

Pois são meus únicos amigos

Afastai-vos, filho do Ícone

Volta com perdão ou cura à minha insanidade fulminante

Desdém não quero

Essa argamassa dos prédios de arquitetura nefasta, que o ícone ergue quando um tomba

Igual ao antigo, e certo como o que não tem porquê

Sexo sem nome
Sexo é na mente
Sexo é uma fome
Sexo é urgente

Sexo não casa
Sexo não encontra
Sexo que vaza
Sexo do contra

Sexo é carência
Sexo que mima
Sexo é demência
Sexo não rima

Sexo se esconde
Sexo é desnudo
Sexo está aonde?
Sexo está em tudo

Sexo é axioma
Sexo precisa
Sexo é idioma
Sexo urbaniza

Sexo violento
Sexo destrói
Sexo rebento
Sexo que dói

Sexo divino
Sexo é uma luz
Sexo tem tino
Sexo produz

Sexo não pede
Sexo, o puder
Sexo se cede
Sexo se quer

Sexo não sabe
Sexo o espera
Sexo que acabe
Sexo o libera

Sexo perdoa
Sexo permite
Sexo se doa
Sexo o omite

Sexo entende
Sexo não mira
Sexo não pende
Sexo se atira

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

No clima de apocalipse


Uma curiosidade: eu escrevi este poema naquele momento de fraca consciência antes de dormir. Quis escrever sobre as pragas da vida humana, e deixei 4 estrofes, para continuar mais tarde. As metáforas tem um tom vago e onírico, característico da catarse na qual eu estava. Hoje, quando abri o arquivo, percebi que as quatro estrofes eram os quatro cavaleiros do apocalipse. Quando escrevi, tenho certeza que não pensei nisso, pelo menos não conscientemente. Pensando agora, a desgraça humana mudou pouco de aspecto desde a idade média, por isso é muito natural que esses quatro temas, culminando com a morte, a mãe dos males, tenham surgido na minha crua mente naquela noite de exaustão.
Isso, ou foi uma profecia do "apocalipse maia". No dia 21 saberemos.

Quatro cavalos

Na cataclisma neurácea de Apolo
Da dobra do crepúsculo amarelo
Jaz o quartão sobre pétreo colo
Na mira fina do infecto cutelo

O pai da folha é filho da colheita
Bago picaço à solar candelária
Segurando o braço errante que deita
No fruto de um pé de poeira agrária

Nua planície a ranger aguerrida
O ouro desnudo da escrava que tenta
O cúprio escudo do fim de uma vida
No qual espana o aço ferramenta

O infinito é o fixo do olho do morto
Partindo de sua centelha de espaço
Imerso em pedra, no inverso do aborto
Para o descanso de Halicarnasso

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Padrão, assimilação e quebra

Lapso

Espinafre, rabanete
Espinafre, rabanete
Espinafre, rabanete
Espinafre, beterraba

Inspirações de Nietzsche

As três pragas do Ser

I

Quando a felicidade está, ela não é.
Quando a felicidade é, ela não está.

Pobre ser humano
Inquieto oscilador
Precisa do estado daquilo

Que estando não é senão dor

Pobre ser humano
Errático harmônico
Quando algo é certo e bem feito
Lhe escapa o estado de proveito

Pobre ser humano
Quebra cabeça sem fim
Num curto circuito dos fios
Tecendo o pano

II

O fantasma do tempo
Ronda o ponto de fuga da História
E lembra o perfeccionista
Das duas misérias do Absoluto

Incerto
Infinito

Corre qual um fusca embrutecido
Bufando arquejos, caindo
Nosso universo na margem aberto
Infinincerto

Diluindo a Existência no infinito
E a qualidade no incerto
Diluindo longe o que está perto
Mar Tenebroso que cai, maldito

Nadaenfim

III

Sede senil de serventia
Podre piada pueril
Gado magro, só adubeiro
Que o próprio esterco o orgulho lustra

Vê a indulgência dar valia
À irrealização senil
Mas quer a fé o pastor campeiro
Sem a fé o improvável frustra

O que uma tribo não sabia
É que à outra é igualmente vil
Todas em encaixe certeiro
Assim falava Zaratustra

IV

A última praga não é uma praga
Mas o nome da esperança
Esperança gasosa, infinitamente fluída
Invisível, impalpável, insípida, feia, sem sentido

Mas finita
E certa

O ar frio erêbico do algo

Algo de luz que a vida aflora

É o pedacinho que sobrou

Na caixa escura de Pandora

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Reflexões de arte e des-arte


Descria

No negativo do descome
De qualquer coisa negação
Num falso luto pela fome
Morta de procastinação

Na cor escura e ebulinte
Do cabo podre de uma enxada
Reluz, repleto de requinte
O ofício de não fazer nada

E doura à luz de um candeeiro
Dialética 'armas e varão'
Um grande épico que, inteiro
Não vale uma masturbação

Comendo crua farinha de arte
De um resto plástico de afresco
Só defendendo o oco do 'amar-te'
Com um rol de preformas grotesco

Retendo o enredo redundante
Das vocalísticas dialéticas
Revolve e volve, segue avante
No elogio das amebas éticas

Zunzuns zunidos relembrados
No ciclo da motivação
Que o instrumentista regurgita
Na boca da outra geração

Férreo ferrão que jaz oculto
Numa almofada de onirismo
Transforma o repouso do estulto
Na magna obra do Dadaísmo

No positivo de comer
Vive a existência do mentir
O paradigma do viver
O enigma do não existir

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

C-T-G-A


Da Natureza do Amor

Nascem linhas frágeis e coloridas
Na alma identitária e bicordial
E o amor à mil vezes vivida vida
Muta-se em eterno amplexo espiral

Por trás dessa lírica de Monet
Criptográfico e em nada Monista
A Arca de Noé que o olho não vê
Pedra de Roseta que escapa à vista

Quem diria que no menor pedaço
O livro sagrado da vida está
Capaz de refazer todo esse espaço

E cada parte é o todo que em nós há
Que o amor do Universo vive num laço
Que se escreve com C, T, G e A

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Deus da guerra

Pena vermelha

No leito fúreo de coberta humana
Pousava marte, o pai do Terror
Da carne olímpia o fervor que emana
Concorda o olho cego à chaga e à dor

Pensava amores fundados em gana
Furos venéreos em férrica cor
No deus cuja bela esposa profana
Da viril arma da guerra o autor

Só na labuta de uma forja escura
Sob a luz vermelha do ígneo forno
Pensando a dor do adultério, tortura

Marte perdeu a cor da face dura
Para a dureza do coxo, do corno
Marte chorou uma lágrima de cura

Só uma frustração inacabada


O mundo
É um deserto de idéias
Eternamente pisado
Pelos bois do passado

Nas veias de Drummond de Andrade, Manoel Bandeira e Alphonsus de Guimarães


Duas luas

O senhor-chefe-rei Huamura
Dono da megacorporação multinacional multirede multifnção de conglomerado macroeconômico
Acionista maior do poliverso hiperfinanceiro de oniprodutividade de metamercados gerais
Dançava
No forro da torre
A dança da dúvida
E sorria arqueologicamente
Para a noite de Beijing
Acima via uma estrela
Uma via, vivia ao vê-la
O senhor-chefe-rei Huamura
Lambia o ar com ternura
Acima via uma flor
Via logisticamente dimensionada
Pela engenharia de instantes de amor
Eletromagneticamente perfeita
Um Huaponto de luz
Que ria ao som do estalar
Das solas dos sapatos de alta costura e superfaturados por coligação de elementos de altíssimo luxo
No chão

Pulsava
Em fortes e fracos
Difratometricamente distribuida
Entre os dois olhos de Huamura
A jóia da abóbada escura
A primeira coisa que amara
A jóia da noite clara
Huamãe apagava o candeeiro
De uma Beijing-mundo inteiro
E com um beijinho
Sincero
Subfaturado
Punha o chefe-rei a dormir
E huamura dormia vivo
Nos trens-bala verticais
Nos seus trends vertiginais
Dormia em pé
E agitado
Não como o mercado
Como criança é
Dormia de olhos abertos
E sonhava acordado com o que via
Uma via que via ao vivê-la
Viável como nada nunca
Mesmo a irrecusável proposta de compra da gigante mineiradora de não ferrosos que se concretizava
Na reunião geral corporacional de avaliação da dita proposta de compra da qual Huamura se ausentava

Besteira
Perante o que via
Que quando queria
Huamura vendia o mundo
Menos ele e seu amor
E, sozinho no escuro
Um grão de amor biótico
Com seu fotocárdio puro
Amava o mundo em fluxo osmótico
O olho virou pedra, estático
O pensar estancou, extático
Huamura deu um passo errático
Rumo à luz!

Huamura não tinha corpo
Nenhum que esta terra sugasse
Sentia essa massa capitalizada
Expelir sua alma azul!
Amava, no amor recriado
No espaço não orientado
O mundo, vendido, caía
Opção que virou pó
Um ponto de escuridão vazia
Caiam os braços famintos
As pernas loucas
O estômago obcesso
O fígado traumatizado
Mas não
O coração
Esse vivia essa via
Ao vê-la cósmica e vazia
Nem mesmo o sobrevivia
A consciência fria
E sem massa, sem cotação
Desabrochava em flor o coração
O pronto-flor-luz era esfera
Era vida! Era!
E abria seus braços oníricos
Huamura abria seus amores
E derretia em sonhos líricos
Rumo
À
Luz

O senhor-chefe-rei huamura
Senhor-grande-empresario
Nesta noite escura e bastante fria de dezessete de novembro de dois mil e onze, na capital da China
Soltou-se do forro da torre
Caiu trezentos e trinta metros
E esmigalhou seu corpo
No chão
Ali, no asfalto comunista
Sob uma multidão monista
Ficou frio, inerte, sem osso
À vista
A carne do braço
A tontura da perna
O olho do estômago
E o medonho fígado
E a consciência
Por um instante de luz
Quântico, fotônico
Girou ainda, no chão quente
E apagou
Mas o coração
A ultima vela
Ainda meio moído de costela
Pulsou
E sentiu aquela massa arrasada
Expelir seu corpo vermelho!
E só em um mundo escuro
Um grão de dor caótico
O coração era furo
Povoou o mundo num fluxo osmótico
E luziu!
(Tributo a Ismália)

terça-feira, 17 de julho de 2012

Sobre colocar preto num branco, loucamente.


Papel de vidro

Crer
E ex-crer
Ver
Vendo
Venda

Crer vendo
Descobrir
Fundamentar
Finalizar
Realizar
Provar o incerto
Sem torná-lo certo
Dois mais dois já resultou
E não resulta o que resultaria
A quem sabe
Veste a venda
E crê vendo

Ex-crer vendo

terça-feira, 10 de julho de 2012

Na existência maciça da dor

Ecos da matéria

Cristal sônico
Caco fônico
Vidro vidrado
Em vidro dobrado

De concreto
De discreto
Mal derretido
E mal, de retido

Sem a pele
A que zele
Pelo bem

Deixa só
O caco e o pó
Do estar-sem

Só bobagem


Épico minimalista

DRACONICULTIMATUM

Postagem pós confissão. De novo.


Em todo

Amor, que não hesita em mim, amor!
Como te faço inteiro, dor por dor?

Na dança fibonáccica do objeto
Que alvoreceu dinâmica em teu feto

No amor de uma lasca de filme antigo
Na boca o gosto de um passado amigo

No espelhar crônico da chama ardente
Sem combustível e sem comburente

No mar inefluível dos cabelos
Sem dique que, largo, possa detê-los.

Na altura de uma gota de algodão
Dançando leve, dente-de-leão


Amor, que se-absorve-me, amor!
Quem dera derreter em sonho e cor!

Comer, abocanhando de lambida
Toda a carne amorosa de uma vida

Entregar esta jóia à antiga arcádia
O bucolismo urbano em nome Nádia

A erudição de pensar ver cair
Aos pés da tua erudição de sentir

Na vulcã rocha fincar esta seta
Que a defletiria sua alma asceta

Me efervescer no atol de seu sorriso
Morrer azul no mar de um rol de riso

Amor, que faz do aio rei, amor!
Fui eu que lhe criei, sou seu senhor!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Visões de omniverso


Nautilus


Um homem lógico encontrou um monge louco sentado numa ponte, de olhos fechados e pés cruzados, calçando sandálias.
-O que você está fazendo, monge?
-Imaginando
-O que?
-Um universo
-Ora, tem um aqui fora!
-E um aqui dentro. Eu só escolhi.
-Mas você tem uma vida para viver
-Estou vivendo
-Não, está desperdiçando a vida no seu mundo
-Acho mais desperdício viver no mundo de outro do que no seu próprio.
-Você não pode criar algo tão grande e complexo quanto este Universo
-Não, mas, diferente de você, posso criar algo.
-Posso criar coisas neste mundo.
-Não. Pode mudar.
-Você também não pode imaginar nada que não tenha base neste mundo. Sua imaginação é uma versão reduzida da realidade
-A realidade também é a versão reduzida da realidade de alguém
-Como é?
-Deus sonha conosco.
-Mas Deus não tem outro Universo
-Quem disse?
-Como poderia?
-Não sei, sou uma versão reduzida da realidade desse outro universo
-Então está dizendo que uma entidade de um mundo superior sonha conosco, e sonhamos com entidades inferiores, continuando uma espécie de ciclo?
-Perfeito.
-Isso é ridículo
-Por isso, mais plausível
-Por acaso sua imaginação imagina?
-Não sei, a imaginação é individual. Deus não vê o que imagino.
-Mas você é influenciado por este mundo
-Claro, sou parte dele. E daí?
-E daí que sua imaginação não é original.
-Comparada a este mundo. Porque preciso comparar minha imaginação com a de Deus?
-...
-...
-E você é feliz?
-Quando quero
-E por que não quereria ser feliz?
-Por que eu quereria?
-É uma premissa humana
-Não onde eu vivo
-Escute, você não pode simplesmente ignorar este mundo
-Não estou falando com você? Não estou te imaginando.
-Mas...
-...
-E você prega esse discurso?
-A imaginação é individual
-Mas não acha certo imaginar?
-Acho individual
-Você está me irritando
-Então mate-me
-Não posso
-Por que?
-É proibido
-Quem fez essa regra?
-Deus fez
-Exato. Porque...
-Já sei onde quer chegar. Não adianta te matar na minha imaginação, isso não resolve o problema
-Não neste mundo. Resolve no seu
-Mas de que adianta?
-Se morar no seu mundo, de tudo.
-Porque não se deixa morrer então, porque ainda come ou dorme neste mundo, pouco que seja?
-Para não morrer.
-Mas você morreria neste mundo
-No meu também. Assim como você precisa imaginar de vez em quando, para se completar, eu preciso realizar, de vez em quando, para me completar.
-Imaginar, então, é o propósito da sua vida?
-Não, é a forma como vivo. Ser real não é o propósito da sua.
-Qual o sentido da sua vida?
-Nenhum e todos
-Como?
-Nenhum, porque sou Deus, e como realizo o que quero, não há propósito. Todos, porque tudo o que realizo é porque quis.
-Isso não faz sentido.
-Não para um mortal

O homem racional sentara-se ao lado do monge louco e ficou a assistir à eclosão de várias aranhinhas de ovos, numa das toras da ponte.
-E quando morremos? A imaginação desaparece
-A realidade também
-Mas o que fizemos nela fica
-Assim como em meu mundo
-Seu mundo morre com você
-O que já foi criado não é descriado, apenas muda
-Mas ninguém pode aproveitar seu mundo
-Exceto eu
-Isso não é egoísta? Construir um mundo que ninguém mais pode aproveitar?
-Não. Deus faz isso, e ninguém além dele aproveita a realidade
-Porque não?
-Porque não lhes pertence. “Aproveitar” é imaginar, ser Deus.
-Não é não
-Para mim é.
-Pare de simplesmente justificar tudo dizendo que é certo no seu mundo!
-Depois de você
-...

Desistindo silenciosamente do louco, o homem racional seguiu rumo através da ponte. Por mais que tentasse se concentrar no caminho que trilhava, não conseguia tirar a teoria do monge louco da cabeça. Era racional, racional demais para simplesmente aceitar se opor àquilo. Deitou-se para dormir ao relento, e não conseguiu. A ideia da imaginação como concepção do Universo o perturbava profundamente. Decidiu voltar à ponte. Foi uma longa e tortuosa trilha, durante a madrugada, o que o deu mais tempo para pensar. Queria simplesmente provar que ninguém o imaginava. Isso o velho monge não havia demonstrado! Como podia ter tanta certeza de que Deus o concebera com a imaginação?
Chegando à ponte pelo amanhecer, não viu mais o monge. Tinha muito no que pensar. Sentou-se na ponte e começou a meditar. Era pacífico estar ali, pendurado no abismo, sustentado pela estrutura de madeira, mas sentindo-se ser puxado para aquele vazio escuro abaixo. Foi ai que o viu.
O homem racional viu outro homem, um homem diferente, que não era exatamente racional nem exatamente louco, mas uma combinação das duas, de uma forma estranhamente complexa. Entendeu que esse homem era Deus.
Deus estava escrevendo. Escrevendo uma história. Parou para ler e se surpreendeu profundamente ao perceber que era a sua. Por um momento não compreendeu exatamente o significado disso, mas logo percebeu que não havia mais o que discutir com o fado. Ele havia sido imaginado pelo monge louco, sentado na ponte de seu mundo, e toda a sua vida estava determinada pela vontade do monge louco. Ou quase toda, ainda podia imaginar.
O monge louco continuava sentado na ponte.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Em resposta a Elias Nasser


Néctar

A função críptica do amor
A melhor barganha para a natureza
Ganha vida em troca de um pouquinho de sabor
Assim se intercalam, mantendo o reprodutor
Num inconsciente sonho de beleza
Não ter/Desejo e Ter/Torpor

domingo, 24 de junho de 2012

Amor, inocência, sofrimento...



Luz suja

Meu coração ressecado
Porque amores exumaste?
Quando digo que te afaste
Tanto te vejo cercado

E agora essa luz-menina
É a luz de um choque elétrico
E o escuro de um caixão tétrico
Onde se lê: "amou Marina"

Como a baga envenenada
Só mata se desejada
Mas, em alma, é puro lume

Eu te deixo imaculada
Para ter a alma lavada
Em um balde de chorume!

sábado, 16 de junho de 2012

A Sorte está lançada, a Arte está fechada.


Cisão

Como jovem pardalzinho
De asa maturada
Voa, meu poemazinho
Sua sorte está alçada
Agora liberto
Tímido e curioso
Voa maljeitoso
Tentando as alturas
E eu, balançando
Harmonicamente em meu galho
Choro uma lágrima de mãe pardal
Como se uma parte de mim
Agora não fosse mais eu
E o medo maduro
Da impotência minha
Perante esse poema-indivíduo
Balança harmonicamente
Sobre minha desarmônica mente
Mas se ele olha para trás
Viro a cara e me escondo
Voa, poeminha, voa!
Me perca de vista
No espaço do tempo
Vá passear pelas janelas
Ser alvo de amores e pedras
E, seja o que for
Seja o que é
O que um dia eu fui
Depois que eu não o for
Depois que eu nada for
Você baterá suas asinhas maduras
E piará a história
Nua e invasiva
Da casca que quebrou
Da mãe não mais viva
Do ovo que o gerou
Se o som soará ecoante
Reflexo em elípticos, elísicos espelhos;
Ou se, abafado e distante,
No aterro da arte será fio de cabelo
Eu, pardalzinho morto,
Não posso prever
Não vindo o anjo Gabriel
Nunca vou saber
Voa, pardalzinho, voa!
Deixa tua mãe morrer
E alça-te ao tudo-eternamente-feito
A única eternidade certa
Num mundo criativamente perfeito
E deixa a porta aberta
Que irmãos seus
Como estrelas nos céus
Virão te dar força
E compor, monísticos, contigo
A colorida sombra da minha vida
Numa existência por si só, a la Sartre-Nietzsche
E quando deste mundo eu me for
Virar só o carbono do pardal
Tudo o que fiz em vida, como ti, poema
No eterno me representará
 Não faça fardo disto, porém
Te designo eterno pardal-filhote
Inocentemente a ser-te
Ser-me
Um germe do eterno jardim de mim
Tudo o que serei no eterno-feito
Agora vai
Voa, pardalzinho, voa
E faz seus filhos
Nos olhos do Argos-mundo
Ensina os pavões a voar
E alça-te ao tudo-em-que-há-beleza
A infinda rede que agrega
A Substância principal da Natureza
E do que não te-é te cega
Atinge o Ser
Mais do que ser
Premissa de toda arte
Ser feito perfeito
Para a finalidade de representar-te
Mais do que viver, pardalzinho
Existe

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Augusto dos anjos e outras inspirações negras, em um poema cuspido da consciência crua

Cadáveres
Paredes de argamassa de pele escura
Necrose mefítica sorvendo o ar fétido
Vapor condensando-se sobre uma panela
A cozer-se no fogo de uma caveira
Vidro quebrado
Ruínas
Olhos furiosos
Carniça
Molhada de molho sangue
No banquete do inevitável
O sabor necrofítico
Da carne-lepra moída
Esfregada no rosto frio
E o cálice do sangue de cristo
Hoje dá suco de bolor

O mundo cheira
Rostos paralisados
Num medo eterno
Pânico de morte
Derretendo com o chacoalhar do caldeirão
Onde condensa o olhar
Dos cães famintos
Sarnentos
Sarnas acaninadas
Doença somos nós
A enfermidade é que vive

Pão vivo
Carne e sangue
Vinho tinto de graxa
Capas de gordura saponificando
À cinza de um tempo que parou
Treva vermelha
Bocas esganiçadas
Lambendo os beiços
Pelo putrefo estigma
Esperando o banquete do existir
Adiado para o fim da eternidade
Servirá um universo podre
Desfalecido de podre
Ao não-mais-haver
Monstro faminto por tudo
E por nada
Nada que haverá
E que há

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Até Eros é divino, e o divino é natural.

Eros

Naturalíssimo amor de jardim
O teixo, em poligâmico amor justo
Toca as zonas erógenas do arbusto
No vai e vem vivo do vento sem fim

A lascivissima orgia dos bambus
Rolam na nua grama as nuas flores
Sem pudor dando as excitadas cores
À vista voyeuristica da luz

E vendo o natural, delicioso,
Enxertando o sexual e o amoroso
Perdido em inexorável beleza

Está, num escuro canto agachado
O homem, tímido quieto e apudorado
Se masturbando para a natureza!

Mais poeminhas espremidos

Do beijo

É uma fera perfumada
Um doce à beira do abismo
É uma flor tão colorada
Que me passou daltonismo

Três trovas travadas III

I

As que eu digo muito amar
Gosto, mas não amo não
Só a que eu mando ao tal lugar
Que loucura, coração!

II

Esse tal Doxo eu queria
Ver pensar por sua maneira
Deve ter mente vazia
Para ele só mandam besteira!

III

Enquanto tagarelamos
Sobre o avião que caiu
Tantos mortos não notamos
Quanto os que se discutiu

sábado, 2 de junho de 2012

Horror

Que nomes responderão pelas vidas?

Que causa a causa do viver anula?
Como explicar tantas almas perdidas
No estige carmesim-sangue de Houla?

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Nada a ver com cachimbos




Isto não é uma referência a Magritte.

Um susto, uma volta


Se o som de um sonho quieto
Derrete ao meu luar
Escondo-me no teto
Escuro do meu lar

Se a vida, muda, muda
O que o futuro encerra
Qual muda tão miúda
Que se depõe à terra

A primeira jogada
É um roque assustado
A rainha, calada.

Do tempo a louca escada
Eu trilharei mudado
Foi um xeque, e mais nada

domingo, 27 de maio de 2012

No room for true loves

True loves love

I miss
Taken

One room for all loves
One love for all misses
One choice
All regrets

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Três semanas. Dor.


Turmarina

Dois olhos brancos na noite escura
Nua, pura, quieta
Canta a flauta
Assovia viva
Me via vivo

Paz

E eu, culpado
Fera corrupta
Manchada de esperma e lagrima
Mefistofélico
Rico de alma pobre
Envenenado pelo níquel centávico
De moedas sinérgides
Roupado
Em ternos não ternos
Camisas de força
Calças falsas
Ressintos
Apertado ao último botão
Sufocantemente eu mesmo

Duas jóias meteóricas na noite escura
Interessadas, intrigadas, impressionadas
Estoura o violoncelo
Faz a cama rude
Fiz o que pude

Ai...

Rasgo-me
Rasgo-me nu
Das roupas que te emprenharam
A gestar olhos cheios
De um amor sem casaca
Rasgo-me do que disse
Do que fiz e vi
Rasgo-me de alguém
Que me tornei por você
Ternos frangalhos
Camisas fiapos
Calças farrapos
Assinto
Nu

Duas vívidas turmalinas no escuro do ser
Estáticas, extáticas, erráticas
Pontua o violino
Marina, poetiza
Marina poetisa

Nós


quinta-feira, 10 de maio de 2012

O caderno preto [47-47]

...

Nada é perfeito nesta vida
Não importa o tempo ou o espaço
Nada vale sua pena, enfim
Por isso, onde estou, nada faço

Digo que tudo neste mundo
No nada deve geração
o universo e só um rol de corpos
nada fazendo em comunhão

E Nietzsche, que nunca fez nada
morreu infeliz e sozinho
Mesmos nas carícias do amor
nada se quer com o carinho

nada na vida é muito bom
Até o homem com mais dinheiro
será miserável sem nada
nada comprará prazenteiro

O homem vive buscando nada
Homens por nada morrerão
Deus criou os homens para nada
E os homens nada farão



Eu queria falar de sexo
Mas falar de sexo é furada
Então já que estava falando
Achei melhor falar de nada

O caderno preto [46-47]

Reenvolução

Abro a boca e calo a mão
Frente a um mundo de vileza
Rosno ao meu espelho
Ponho as dúvidas no chão
Questão faço de certeza

Me balanço na fronteira
Entre Che Guevara e Ghandi
Em luto vermelho
Dor do mundo na algibeira
Ando o que o mundo desande


Eu ponho de lado o choro
E encarno a diligência
Dispenso até a fé
Com a renúncia sem decoro
Com a tradição sem clemência

Até que se inverta a pista
Que se turbilhone o fado
lutarei até
Que o último violinista
Caia do último telhado

Notas espremidas num caderninho cotidiano [3-3]

I

Eu queria amar a três
Vida a dois é tão vazia
Diz-me a amada, por sua vez
"Três varia, três varia"

II

Que tédio esta encruzilhada
Espero o tempo passar
Ele tem mula aleijada
Ele passa sem andar

III

Se o sol bate em solavanco
Negro canta em oito ou nove
Não é a toa que o homem branco
Só troveja quando chove

Notas espremidas num caderninho cotidiano [2-3]

O que a mente cometeu?
O avesso de mim é mim
Ué? O avesso não é eu?
Por que a gente pensa assim?

Notas espremidas num caderninho cotidiano [1-3]

Quero-te em nossa casa
Filha, uma bemformação
De um bem-cuidado que vaza
Ao caos-colosso sertão

Jardins de hortênsias no extenso
De uma gramada vazia
Você de chapéu e lenço
Na entrada de cantaria

Retorno em marcha estradeira
Sobre um calmíssimo equino
Ao refúgio de madeira

Casinha alta sem beira
O derradeiro destino
De uma vida solta inteira

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Ao mais fraco, logo mais amor.

Angor

Eu não amo você
Pelos tempos passando!
Pela mente gravítica
E essas tripas dançando!

Eu não amo você
Amar amo meus pais
O tempo só matura
O que o deixa em paz

Eu não amo você
As palavras trocadas
Em gravidade zero
Dançam quase intocadas

O amor é um laço transetéreo
Que quanto mais é revelado
Mais se transforma em um mistério

Se eu amo você
Quem sou eu, quem és tu?
Por que logo a te ver
Devo o amor comer cru?

Se eu amo você
Como é que se ama
Quem em vidas não inflamou
Quanto hoje tu me inflama

Se eu amo você
Quem você então seria
Tão pouco que foi dito
És só concha vazia

O amor é do tempo o inverso
Mais duro é um quilo maciço
Que o pó todo deste universo

Se não amo você
No meu amor não entre!
Mentiras que me conto
O que grita meu ventre

Se não amo você
Pelo tempo passado
Como ama-se o bebê
Que nasceu maturado?

Se não amo você
Quem amaria então?
Um silêncio em princípio
Vazio de vida, vão?

O amor é uma concha vazia
Mais amor finda a ser a concha
Que bebe o vácuo e se inebria

Sim eu amo você
Por tudo o que já amei!
O que se desgraçou
E o que vive por lei!

Sim eu amo você
Que o mundo já pulsou
Que em quarenta bilhênios
Este amor maturou

Sim eu amo você
Que a voz é mentira
Mesmo se diz "amor"
Só o amar amor vira


Minha testemunha seja Baco
Amar Hefesto e amar Ares...
O amor só existe quando é fraco

sábado, 28 de abril de 2012

A um natimorto


Curetagem

-Pai, qual é o futuro de “mim”?
-Memória, meu filho
-Pai, qual é o gerúndio de “morrer”?
-Estou sofrendo, meu filho
-Pai, me dá um adjetivo?
-Vivo, meu filho
-Pai, o que rima com Morto?
-Ab...
-Pai, onde está “o que você amou”?
-No passado, meu filho
-Que passado?
-Imperfeito...
-Pai, qual é o presente de morrer?
-...
-Pai?
-Foi só uma interjeição
-Foi?
-É.
-Pai, qual o futuro de morrer?
-Morrer é infinitivo...
-Pai, qual é o modo de ser feliz?
-Subjuntivo, meu filho.
-E o tempo?
-Futuro.
-Futuro?
-Futuro do pretérito
-Não entendo esse
-É o futuro do sonho
-Pai, o que é silepse?
-Eu somos, meu filho
-Pai, existe um sinônimo para esperança?
-Não, ela se tem ou não...
-Pai, como se escreve “dor”?
-Lenta e fielmente, meu filho
-Pai, como se fala “descontínuo”?
-Chorando, meu filho.
-Pai, quem sou eu?
-Oximoro, meu filho
-Pai, como se soletra “você”?
-S, E, N, T, I...
-O que?
-S, E, M, T, I.
-Só?
-Completamente.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Pensamentos de solidão numa despedida bicordial.



Não há neste mundo diverso
Igualdade de maior porte
Que a que há entre a certeza da vida
E a mesma certeza da morte

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Dois animais e um conformismo

O sapo papado sapa coaxando pausado
"Quem dera, quem dera, quem dera"

Mas o grilo literato e fino lhe responde educado:
"Quem dará?"

terça-feira, 10 de abril de 2012

A Daniela Magnani, que ama o mundo com os olhos.

Magnânima

Olhar sempre apaixonado
Rosto lúcido puríssimo
Semi-sorriso elevado
De um Gautama profundíssimo

Fito-te desocultado
Numa ousada simbiose
Com teu ver apaixonado
Constante metamorfose

Ah, quem dera sem injúria
Afogar em tua pele
Overdoses de luxúria

E vazio de tão desejo
Louvar o suficiente
Esse olhar que em você vejo

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Lamento em três atos



Dança dos quereres
lamento em três atos


Despertar

Quando certa manhã
Guilherme Antonini acordou
De expectativas vazias
Encontrou-se em sua percepção
Transformado numa mentira monstruosa
Estava deitado sobre suas solidões duras como existir
E, ao levantar um pouco o ânimo
Viu a compreensão alheia abaulada
Marrom
Dividida por abstrações tortuosas
No topo do qual o bem-querer
Prestes a desistir de vez
Ainda mal se sustinha
Suas numerosas idéias
Lastimavelmente vagas
Em comparação com o resto do mundo
Tremulavam desamparadas
Diante de seus olhos


Bicardíaca

Que perna faz uma dançarina?
Que pétala faz uma flor?
Que pedra faz uma mina?
Que coração faz um amor?

Amor não se tem
Amor de certo não se é
Amor, por pouco dizer, se são
Dois amores em dois irmãos cardiossimbióticos
Um por um dois corações arrítmicos, caóticos
Unos, sincrônicos em toda dimensão
Um deles por certo é a fé
O outro, estar-sem

Com cada um em um pé
Por ti sinto amores mátrios
A Deusa de minha fé
Distante de quatro átrios


O lago dos cisnes

Pirouette, ronde de jambe, tendu, plié
Ziguezagueia, à terre e en l'air
Quebra o violino, volta o Relevé
Está delegado o papel de seu pair

Passo e volta
Viver sem
Passa e volta
Solta e tem

Às duras luzes de um balé russo
O cisne negro do ter me seduz
Tu, fé, se perde, belo cisne ruço
E não volta nem com outro cristo em cruz


Estar-sem
Marca os passos
Fé que se tem
Sem fracassos


Às puras luzes de um balé franco
Luzes que luzem em rubra coleur
Puros amores beijam sangue branco
É Sang du coeur, é sang deux coeur...











terça-feira, 3 de abril de 2012

Segredo

Escuro
Não-dito
Todo contextos
Retalhados
Encontram-se na
Linha curva e
Invisibilóide
Nua de luz
Humanamente
Anótica, única que
Significa algo

segunda-feira, 26 de março de 2012

Mais uma apostrofe à menina Kafka

Meu silêncio é uma ilíada em branco
E minha voz é a expressão da queda desajeitada no tortuoso barranco

Mas meu pensamento, ah, menina, menina que não me ouve!
Menina que não ouve sequer meu silêncio contemplativo
Meu pensamento é um mundo só meu
E como o mais louco dos imperadores
Salto vorazmente do trono
Para fazer de meu mundo seu palácio de ventura
E não o meu

E por mais que eu abuse dos futuros do pretérito
Não há nome mais para o meu tempo
Senão 'presente'
Presente que não te dou, que não te peço
Presente que não me faço em nada que seja você
Presente você, apenas, no nada que nada é

quinta-feira, 22 de março de 2012

O caderno preto [45-45]

Esotu isolado
Mas não estou do outro lado
Estou igualado
Estou igual lado
Estou iso lado

O caderno preto [44-45]

Tinham tantas coisas no meio do caminho
Que melhor foi chamar a metade do caminho
De fim do caminho
E abraçá-lo como quem abraça um vaso sanitário para vomitar

O caderno preto [43-45]

Harmônico

Eu sou só um
Eu sou um só
Eu, um, sou só
Um, eu sou só

Dois, nós somos fracos
Nós dois somos fracos
Nós somos dois fracos
Nós somos fracos, dois

Não sabemos ser três
Não sabemos três ser
Não-três sabemos ser
Três, não sabemos ser

Infinitos sou

terça-feira, 13 de março de 2012

Quadrinha, espelho do meu pensar de hoje



Dinheiro compra felicidade
Mas é que sai um midas de caro
Melhor comprar um pouco de humildade
Bem aplicada a cobrir o faro

sexta-feira, 2 de março de 2012

Caprichos de boa inspiração

Fulmina na incandescente fornalha da arte
E nasce
O poeta

Nasce, mas já existia
Tal qual o ferro no minério
No ventre do empíreo o havia

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Por que não? Por que, não?

Segundo a física moderna a existência é uma aproximação estatística
Por que o amor não seria?

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Objetiva? Subjetiva? Bah!

"

-Orbitais são... bem... aproximações subjetivas de funções de onda, que são... bem... modelos matemáticos relativos coincidentes com as antigas representações dos elétrons. E elétrons... bem... são postulados, ou seja, assumidos como verdadeiros para permitir a interpretação do mundo.

-No meio do caminho, tinha uma pedra...

"

-Mas me desculpe, eu te interrompi. Você estava falando sobre a ciência ser objetiva e a arte subjetiva.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Uma santíssima trindade de ideologias: coincidente em uma como toda Santissima trindade

Três perfeições

A voz de um acre vazio de deserto
Chão, céu e ar, sussurrando em enlaço
Três bons irmãos sem nada mais por perto
Alem de mim, ponto vazio no espaço

Minha presença, quase voyeurística
Não faz mudar nada a conversação
A expressão de sensação artística
Que tinham o ar, o céu e o chão

Qual dois amores e um amor comum
Nus e deitados na cósmica cama
Falam olhares, sem ruído algum
Cada qual sobre como a vida ama

Abro minha boca, mas a cubro logo
Falo, sereno, o silêncio idioma
Por um abraço entre eles eu rogo
E logo meu corpo aos deles se soma

Primeiro a terra me faz suas carícias
Bruta e escura, corajosa e forte
Faz na humildade das dores delícias
Ri otimista da sua certa morte

Depois eu beijo os olhares do ar
Fita a existência qual tela vazia
Deixa a divina inspiração cantar
Criatividade em sua teogonia

Por fim então o Empíreo me enlaça
Ao transcender da onipatia dá pé
Onde qualquer caminho que se traça
É o todo nada do universo: é

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Uma ponta, um lado, um fim só.

Linha de uma ponta só

Eu estou vivo como um fungo
Como um fungo, e morro
E morro que não escalo é a vida
É ávida, mas repetitiva. Fazer o quê?

Fazer o que quiser é a premissa primeira
Pré missa primeira já nascemos assim: debulhando-se
Debulhando-se cada grão então tem-se o fim
Tenso fim de quem, dos seus, não comeu um grão

Um grão destino de grã vida, tanto quanto navega
Na vega da Lira fica presa a invejar
Presa a invejar Sírius predador
Preda a dor do Brilho Destino

Brilho deste nó no fim deste caminho
Deste, caminho até onde se não vira cinza
Se não vir a cinza, em falso mastigastes
Mas te gastes, vendo-a ou não, se desfaça

Sedes faça, não no vácuo do sentido
Doce em tido, morto de infinito
Em finito campo de grão a vida semeie
Se meie gentilmente, e solte o infindo mundo

Enfim do mundo serás parte de direito
Dê direito às suas pontas de ter fim
Deter fim é querer por infindo grão
Em fim do grão.








quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Os olhos psicodélicos e violentos do mundo

Androcalipse

Engenheiram-se as cromáticas cruzadas digitais
Pelo balanço financeiro de cogumelos nucleares alucinógenos
O apartheid bélico de uma negra estrela de nêutrons
E os grandes colisores de suicídas, prostututas e andrógenos

Caveiras em aço-carbono rindo da aglutinante levisão
Feras sulfúricas ébrias de fúria e fuligem
Dentes de platina carregados por smartphones subnutridos
E na inversão do óbvio cosmos, ciência e vertigem

Cruzes e erlenmeyers rolando a montanha de sísifo
Migs-35 transgênicos vomitando números tragicômicos
Aproximando estatisticamente a engrenagem e a roda
E os nomes de opulentos autômatos sindrômicos

Refeições siderúrgicas, narcóticos siderais
Na rede lan de lanchonetes carcerárias 
Canos de alvenaria comunizando radiação gama
Fontes da juventude transbordando águas duras calcárias

Compiladores internacionais sucateados em bolsas de valores
Odores de bancarrota em podres abdômens lipídicos
Internets de estresse envelopadas em polietileno nazista
Barris de dinheiro em impasses imponderáveis jurídicos

Legiões industriais vestindo grifes técnicas
Vidro temperado tentando quantizar o estupro Cibernético
Mendigos agrários rodoviando guerras santas
Carniças de álcool oxidando as engrenagens de um techno ético

Britadeiras darwinisticas gigamodernas, pan-modernas
Dadaísmos tóxicos, globalização magmática, livros de sucata
Bonecas infláveis obesas de chorume e câncer
Restos mortais de uma evolução serotoninocrata

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Uma epifania, um apelo.

Satyagraha

Eu acordo, tomo o ônibus
Entre o motorista e o passageiro de porta na cara, ódio
Aquele velho ódio que vemos. Não o ódio sensacional, o ódio de sempre
O ódio que somos
Abro um jornal e leio ódio
Abro o facebook e, para onde eu olho, é ódio
Bem vestido esse ódio que somos
Não me estranha quem o confunde com militância de um mundo melhor
Com preocupação, com amor até
Com amor até
No trabalho, o trabalho é ódio
Construído junto com o mundo por cada braçada de suor
Braçadas odiosas e pesadas
Na saída, eu vejo o ódio condensado
Disfarçado de um sorriso que se engana
No rush, a prova da inutilidade desse ódio
Com pressa de sentir-se para ter mais tempo para sentir-se
Ligo a televisão, e vejo as fazendas de ódio
E, ao deitar na cama, me vejo inimigo do ódio
E me vejo odiando o ódio
De modo que nem sendo inimigo do ódio
Eu deixo de ser o ódio

No dia seguinte, eu ando na rua
E uma jovem palhaça me entrega uma pequena flor branca
Enquanto outra segura um caderno escolar
Com linhas tortas dizendo "sorria!"
Me perdoem, as duas
É pouco amor
Mas é amor
Eu as amo
E bebo o ralo amor
Com a concha das duas duras mãos
Ponho a flor no asfalto, drummondianamente
E não choro
Porque o mundo não está ruim
O ódio não é ódio
E eu não odeio
Eu não quero que ele pare
Não ele
Ele não
Simplesmente,
Caeiramente
Paro eu
E cresço


Lento como uma flor no asfalto
Breve como o sorriso de quem gargalha
Eu olho para quem luta
Olho para quem descansa sempre
Olho para quem doa e para quem estupra
E não vejo mais nada
A não ser quem ama
E quem não ama
Quem ama é amor
E quem não ama é meu amado
E logo a última pedra de asfalto do jardim
Suspira profundissimamente e transmuta-se em Narciso
Estou cercado de espelhos
E eu sou o mundo
Sou o que vejo
E me amo
Me amo por quem sou e por quem não sou
Me observam duas palhaças, sorrindo como quem se vê viver
Me levanto e as abraço
Beijo seus lábios escuros, suavemente
E choro de amor sobre seus olhos coloridos
E cresço

Eu acordo, e tomo o ônibus
Sorrio para o colega do ponto, cumprimento o motorista
Aquele amor estúpido que não vemos. Não o amor justificado, o amor militante
O amor que sou
Abro um jornal, e aprendo sobre a aversão ao que sou
Abro o facebook e vejo boas intenções, potêncial
Nu, esse amor que sou
Por mais que estranhe, ninguém o confunde com o outro
Não é só roupa, não é ódio
Não é ódio
No trabalho, estou no auge
Construindo o mundo com a deliberação da flor que cresce
Deliberação crescente e consciente
Na saída, estou esgotado, e me vale descansar
Com o sorriso sincero de quem fez
No rush, eu ligo o rádio e dou passagem
Sempre sentindo-me para que todo momento seja igual
Ligo a televisão, e comento docemente
E, ao deitar na cama, me vejo confessor do ódio
E me vejo amando o ódio
De modo que, apenas sendo o melhor amigo do ódio
Eu deixo de ser o ódio

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Peço perdão ao pai de toda inspiração

Musagetes

Apolo flamejante, império do poeta
Relíquia áurea de luz que tanto reneguei
Embora a ingratidão não me nega tua seta
Embora Dioniso, o risivel amei

Se quero a embriaguez de uma poesia extática
Não sou capaz de não dar a ti tua vez
Se quero a sensatez sem a lírica errática
Dioniza-se você, qual gêmeo siamês

Mas quando a voz azul da Musa chega ao tal
Ponto de elogiar as raízes da arte
Só ao flóridoce mel do dendrítes carnal
Minha poesia traz sua glória e sua parte

Não posso agradecer, de tão humilde e fraco
E quão menos seria sem teu lustro farol
Acende em mim tua musa; ascende, mestre baco!
E luz-me a perfeição divina de teu sol