domingo, 16 de dezembro de 2012

Do que me corrói, e do que protejo de ser corroído

Dissidência

Eu odeio o ícone!

Isso mesmo, o ícone

Esse avô lendo um jornal fedido ao som de Bach

Só pelo ato de se ler um jornal fedido ouvindo Bach

Que usa suspensórios, porque não há o 'não-usar-suspensórios'

Nem pode haver


Eu odeio o ícone!

Esse mesmo, que você odeia

Mas odeia porque lhe parece devido odiar

Olhe para trás, e me diga onde o ícone

Como medalha de soldado

Mais espetou do que honrou

Odeia porque odiar o ícone é confortável

Mas é confortável porque é ícone

Velho culto!

Você é ícone!

E eu te odeio

Porque você me machuca

E por nada mais

E te amo quando me afaga

Te odeio se me apedreja

Não te beijo se me escarra

Te machuco? Me despreza?

Mas me despreza porque te machuco?

Não passou a dor? O que ficou?

Só um velho lendo jornal de suspensórios

Não porque machuca, mas porque machucou

Não digo, me perdoasse

Não digo, me entendesse

Digo que fique com quem lhe faz bem

Porque fazer bem é bom

E se faz mal

Espera o mal passar

E volta com um escudo

Não com uma espada

Que o velho agora bate em seus netos

Porque está sozinho

E eu, como o ícone, no outro canto

Por inveja, só me deixou

Novamente com aquela saudade de saudade

Icônica, para dizer muito

A linha do ícone

Só não parece arbitrária

Porque é fixa

Mas é móvel, e arbitrária

É só viscosa, e mãe do sentido

Enquanto minhas pernas doem

E como explicar que não é o andar

São os suspensórios

Cheiro mal, não é o banho

É o jornal

Fico surdo, não é Beethoven

É Bach

Eu odeio o ícone!

Porque o ícone me machuca

E o ícone me odeia

Sem porque, porque porque o machuca

Odeia todos, porque, para ele, amar é uma conjectura

Mas se sentir confortável... Ah! O conforto!

Tão longe do irmão, o confronto!

Conforto é o nome pútrido da metaestabilidade

Um princípio cego de quietude

Usurpador da satisfação

Mãe de todos nós

O conforto é aquele menino ajustado a tapas

Brincando feliz com  uma tábua quebrada no chão

E, mais do que o avô, odeia os porquês

Porquê o machucam

Sim, odeia verdadeiramente

Mas dentro do estigma da palmatória

E, tendo um porque

Se odeia, se sofre

E se esquece, brincando com sua tábua quebrada no chão

Porque? Ele cai de costas.

Não só não há

Não pode haver

Conforto, eu conheço outro

Sobrinho daquele, filho do Confronto

Esse é um infante sorridente

No colo da avó Satisfação

Com um chocalho, que todo dia quebra

Mas nunca está quebrado

Egressos do império do Ícone

Vivem de esmolas em minha casa

E eu hei de protegê-los

Pois são meus únicos amigos

Afastai-vos, filho do Ícone

Volta com perdão ou cura à minha insanidade fulminante

Desdém não quero

Essa argamassa dos prédios de arquitetura nefasta, que o ícone ergue quando um tomba

Igual ao antigo, e certo como o que não tem porquê

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