quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Concreto abstrato

Algumas vezes, me incomoda o fato de que a mente humana filtra a imensa maioria das informações que ela mesma nos envia. Um segundo pensando nos dá uma hora de palavras, mas inconscientemente vetamos quase tudo. Me da uma certa angústia pensar que eu não me conheço de verdade, que a maior parte de mim é mantida em segredo de mim mesmo, me da até ganas de cursar psicologia. Mas acho que me encontro mais na arte do subconsciênte do que na ciência do subconsciênte. A arte do subconsciente é o surrealismo. E assim, eu comecei a escrever poemas de um jeito diferente: eu simplesmente penso num tema por algum tempo, de forma racional e filtrada, ai eu rapidamente me debruço sobre um papel e me esforço ao máximo para não filtrar nada; tento escrever absolutamente tudo o que passa pela minha cabeça. Interessante ver que deu certo. Inevitavelmente são poemas livres e brancos, sem métrica nem rimas, mas há algo de profundo neles. Nunca ouvi falar de poesia surrealista (no sentido de poesia do subconsciênte), mas alguém com certeza já teve essa idéia. Durante um intervalo, no cursinho, ano passado, eu decidi pensar por alguns segundos em paisagens urbanas e ver o que meu id tem a dizer a respeito. Eis o resultado:


Concretizado

Odores verdes à noite esburacada
Lixo muros de madeira
Vista furada de furos coloridos
Imponderabilidade maldita
Do chão brota cinza cilindro
De semente de pura alvenaria
E dá frutos que são seres
E eu ia dizer humanos!
Alvenaria toxica
Contaminou de verdades o universo
Verdades... Pedras em minhas galochas de vidro
 Meu terno malhado meu colete vômito
Minha gargantilha diamantina
O mundo me pegou de cuecas de bolinha
E tenho que dançar
Para fingir que é isso que faço
Que acredito em fazer que acredito em acreditar
E quando menos percebo
Minha calça também é alvenaria

    Não sei quanto a você, mas fiquei impressionado com a criatividade do meu id; a imagem de prédios brotando do chão como se fossem árvores me marca até hoje. Eu quase sempre dou título a um poema só depois de terminá-lo, e nesse caso seria impossível fazer o contrário, pois eu não sabia mesmo o que ia escrever. Recomendo ao leitor, mesmo que não tenha qualquer prática com a escrita ou a poesia, que medite sobre um assunto por alguns segundos e depois simplesmente escreva, sem reprimir idéias ou se assustar com incoerências. É impressionante como temos idéias interessantes mantidas em um cofre muito especial, do qual a consciência não sabe a combinação.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Papo-de-anjo

Você teria que andar muito para encontrar alguém que goste mais de papo-cabeça do que eu. Nunca encontrei um limite para minha paciência com paradoxos sobre paradoxos dentro de paradoxos, pelo menos nunca encontrei alguém que goste de passar tanto tempo quanto eu nisso. Alguns dizem que sou meio sofista. Não nego totalmente. Acho que no pior dos casos, sofismar não faz mal nenhum. É importante testar a própria convicção. Ninguém sabe, mas não existe ninguém que eu questione mais do que a mim mesmo. Aos poucos, vou aprendendo a operar com a lógica onde ela é escassa, a calar todos os paradoxos e a fechar um ciclo de conhecimento insatisfatório como resposta, mas satisfatório como explicação.
    Deus existe? Não ter certeza é natural, o raro é investigar a questão. Quando falamos em "Deus", não há um critério muito claro sobre o que pode ou não ser considerado Deus. Deus obrigatóriamente tem consciência própria? O Acaso, potencial criador do Universo, poderia ser considerado Deus. Raramente consideramos possibilidades além das religiões tradicionais, como Deus não possuir onipotência, onipresença ou onisciência.
    Deus muitas vezes aparece como justificativa para não fazer o errado, e é triste que precisemos disso. Mais triste ainda é usar sua suposta inexistência como justificativa para o egocentrismo.
    Talvez Deus seja o Acaso, talvez seja uma força inconsciente mas onipotente e onipresente de qualquer maneira, talvez seja uma força só onipresente, talvez nem isso, talvez seja uma força consciente e com qualquer combinação dessas qualidades divinas, inclusive todas elas.

Papo sem cabeça


É óbvio que não é óbvio que talvez seja óbvio
Evidente? É vidente? Acha que sabe?
Claro que não é claro que talvez seja claro
Que sei que cansei de dizer que sei
É certo que é incerto que Ele está por perto
Como mais tal complexidade Existe?
Tempo infinito, alguma hora acontece
É absurdo. Como sei? Sinto
Sinto que é instinto que bebe absinto
Acredita em Unicórnios também?
Ver é crer, mas o contrário não vale
Como sabe que sim?
Como sabe que não?

Calem a boca, talvezes revoltados!

    O importante, para mim, é lembrar que o ser humano é um novo Deus e está reinventando essa mania divina de criar, seja incluido numa criação consciente, seja solto ao acaso. Agora temos que cuidar de nós mesmos. E que nos perdôe o homenzinho de barba branca.

domingo, 26 de setembro de 2010

Pedra Fria

É impressionante como a visão de qualquer coisa que minimamente se assemelhe a um sonho seu o acentua infinitamente. Oito garotas em uma limusine é uma imagem corriqueira na mente de um sonhador extremamente ginéfilo como eu, e como tantos de nós homens tolos e submissos; mas infelizmente todo sonhador tem, mesmo que se esqueça, dois pés num chão muito real, e dá a esse chão mais valor do que pensa. Normalmente aqueles que se adaptam bem não tem problemas com conciliar sonho e realidade, em geral porque sabem distinguí-los perfeitamente. Mas as vezes a realidade faz provocações ao sonho, por exemplo quando uma limusine com oito garotas passa ao seu lado numa madrugada amorfa de sábado.
É o tipo de górgona cruel o suficiente para desorientar o sonhador, e fazer com que ele busque na realidade o sonho, se frustre, e retroceda à sua petrificação dentro de si como eterno sonhador.
É claro que eu estou dramatizando um pouco a coisa, mas é meu estilo. Este poema Nosphoros tem uns cinco minutos de idade, ainda dá para sentir o cheiro de lírica fresca, e é baseado em angústias reais que aconteceram há sete, oito horas atrás.

Górgona


O olho treme
Mudo
Cala a euforia
Cala tudo

Troveja luz
Absorve
O olho transfixo
A sorve

Infinitos sonhos
Eclodem
Da luz, e os olhos
Implodem

Do universo
Se solta
Uniões desmancha
Não volta

Vício total
Em sonho
Real se torna
Enfadonho

Egovital
Petrifica
Só a sonhar
Então fica

Morto ao mundo
Pedra fria
Mente cheia,
Alma vazia.


A vida do sonhador não é um sonho de vida, tem suas desvantagens, mas a experiência ainda me diz que se bem organizada, da qualidade e razão ao viver.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Semvívio

Quando se tem poucos amigos como eu, coisas muito insignificantes são muito valiosas. Pessoas para as quais você não significa muita coisa significam muita coisa para você. Tudo é um tanto escandaloso e cada sorriso, cada palavra, cada rejeição, cada olhar podem salvar ou destruir o seu dia. É estranho. Alias, deve ser estranho ter um amigo como eu também. Eu inclusive tenho a máxima: "Trate desconhecidos como amigos, amigos como amantes, amantes como Deus e Deus como um desconhecido."
Quando se tem poucos amigos como eu, você aprende a se valorizar de um modo absoluto (se não aprende, enlouquece). Qualquer coisa pode acontecer, menos você se sentir frágil, inútil ou incapaz de qualquer coisa. Para ser solitário você precisa de um pouco de complexo de Deus. Mas você deve tomar cuidado para não acreditar demais na própria história, ou não vai ser capaz de mudar nada em você. A solidão torna-se amiga e desejável, e a companhia estressante. É estressante achar que está sendo julgado sempre que está acompanhado, mas também é dificil evitar esse pensamento.
Apesar disso, até para os solitários existe limite. Quando eu estava estudando para o vestibular da Poli, me tranquei sozinho numa casa por dois meses, saindo só para ir ao cursinho e voltando, e visitando a família nos fins de semana. Foi uma experiência maravilhosa, mas teve como contraponto a solidão, e as tentativas que nossa mente faz de não vê-la, projetando pessoas, situações e histórias sobre nós para nos fazer esquecer do desamparo. Isso veio muito nas noites escuras e entediantes de insônia. Assolado por esses pensamentos, escrevi este poema Nosphoros:



Sem perspectiva de uma alegria
A rascunhar uma eufórica orgia
Que, de tão malfeita, desfaz-se em pó

Quasimorto a contar tábuas no chão
Migalha por migalha comer pão
Às paredes pedindo amor e dó

Piegas da deliciosa conversa
A pia a louça o tapete persa
E a mente me proíbe de ver o nó

Eu e a vida entropicamente atados
Querendo fugir, doentes, arrastados
A mente esconde de mim que estou só


Às vezes, você e a sua vida estarão soldados juntos contra a sua vontade, ambos querendo fugir, mas incapazes de se separar. Estar só é estar acorrentado à propria vida, incapaz de pensar em nada mais. Respeite os limites máximos e mínimos da solidão de cada pessoa, pois ninguém é uma ilha e ninguém é um continente.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Compensação e descompensação

        Eu não sou perfeito. Para a maioria, ninguém é. Para uns poucos, existe um ser perfeito. Eu honestamente não me importo muito. A perfeição é mais do que um objetivo, é um ideal, é a tradução de tudo o que um ser humano pode querer. Não há nada na vida a fazer a não ser buscá-la, mesmo que seja impossível atingí-la, somos assíntotas da perfeição.
        É claro que a própria perfeição é relativa ao pensamento do individuo, e como este muda, o ideal pode (embora não seja desejável) mudar. Por outro lado, enquanto tendemos à perfeição, não conseguimos ir diretamente contra ela o tempo todo. Qualquer mudança que um individuo impõe sobre si está sujeita à descompensação, a tentativa, por parte da psique humana, de retornar ao costume. O estado de descompensação também não é muito agradável, pois a ambição humana também se desconforta com o afastamento do ideal. Assim, ela provoca uma força de compensação. Assim voltamos ao inicio do Loop, e o costume volta a nos puxar.
        Na Poli, estou estudando a dinâmica do movimento harmônico (o vai e vem, a senóide, o zigue-zague). É assim que funciona uma função trigonométrica, um movimento circular ou espiralado, e muitas outras coisas na natureza. Um constante vai e vem. As vezes ele tende mais a um lado, mas sempre há alguma descompensação para cada compensação. Mudar qualquer coisa envolve fazer com que a compensação seja produtiva e pouco forçosa, e a descompensação curta e bem aproveitada.
        Estou emagrecendo, estudando mais, tentando cuidar do meio ambiente e forjar uma amizade apesar de minhas dificuldades com relacionamento. O que mais me estimula não é a ambição, mas o ódio ao costume e às coisas como são.
        Escrevi o poema a seguir num momento de grande raiva com o costume, quando percebi que estava me acostumando com a visão da minha namorada nua, algo que, felizmente, consegui evitar.


Loop

Silêncio
Som morto
A nudez da manhã
O costume, a visão
Revisão retórica
Muda dialética sofística
E o olhar
O olhar de quem não diz nada
Por saber demais do que se trata
Toda manhã é manhã
Toda nudez é nudez
Todo som é som
O costume é.

        
       Apesar desse poema fase Nosphoros, o amor perdura e se eterniza em sua constante renovação. Quando lutar por um ideal, leitor, esteja pronto para a descompensação, mas nunca limitado a ela, descanse hoje com gana de batalhar amanhã.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Novidade

Para mim isso tudo é novidade. Por qualquer motivo, eu nunca pensara em ter um blog. Sempre escrevi por escrever, para mim, para desabafar. Isso desde a terceira série, quando a professora pediu para criarmos poemas em duplas, e eu caí com um menino que não tinha entendido o que era um poema. Queria contar uma historinha em prosa. Decidimos então cada um fazer o seu poema, e eu fiz o seguinte:


Minha idéia não chega

Chega logo, minha idéia
Não sei o que vou escrever
Chega logo, minha idéia
Eu escrevo sem saber

Volta logo, minha idéia
Que poema vou fazer?
Volta logo, minha idéia
Meu cérebro vai tremer

Entra logo, minha idéia
Que eu estou quase pirando
Entra logo, minha idéia
Ela já está entrando

Vai logo, minha idéia
Desse jeito eu vou pirar
Vai logo, minha idéia
E o mundo vai acabar


Nada mal para o primeiro desabafo de uma vida, eu diria. Na época eu não sonharia que meu primeiro poema tratava de um tema que seria constante na minha vida: a caça às boas idéias. No fim, os meus mais antigos poemas continuam sendo novidade. E as novidades, bom, tenho alguns poemas-minuto de uns dias atrás. Ai vão:

Origem
Deus é o tesão do Pai pela Mãe

Oração do ateu
Deus, se você está aí, por favor não esteja.

Eu vi união
Só não vi ética

Responsabilidade
Sobra a que cimento global?

Os quatro poemas pertencem à minha fase Aiseop, a fase satírica e provocativa.

Noções de principio

Em minha primeira postagem, gostaria de anunciar que, diferente da maioria dos blogs de poesia, eu tenho um acervo muito grande para postar, então provavelmente no começo as postagens serão mais freqüentes e alternarão poemas frescos como pão e poemas envelhecidos como vinho. Começo este humilde sarau convidando o leitor a comer, pois a comida é o maior escape que há contra a senhora de engenho de todos os homens livres, a necessidade (Naudhiz, como diriam os nórdicos).
O primeiro poema que disponibilizo é um dos mais antigos poemas meus. Feito quase automaticamente numa madrugada sem sono, com uma forte composição estrutural e um sentido obscuro, embora um tanto vago, é, proporcionalmente à maturidade lírica que eu tinha quando fiz, uma verdadeira Capela Sistina.



Lava as línguas e lábios da libido
Limpa o lírico lodo da leitura
Um longo, largo, límpido lamento
Lá onde laboram as larvas da loucura

Um lapso, um lento limbo, um logro lúgubre
Lúcido, ilustre lustre, lume da loucura

Onde leva o lado livre do luxo?
Labirintos? Linhas? Laços? Lutas?
Um lindo luar? Um lutulento luar?
O luto do lúrido lúcifer? Loucura!

Um lapso, um lento limbo, um logro lúgubre
Lúcido, ilustre lustre, lume da loucura.


Não quis intitulá-lo, e não consegui enquadrar um título postumamente. O poema pertence à minha fase "Nosphoros", que denuncia as pragas da mente humana.