quarta-feira, 17 de julho de 2013

Pré mortem

Falam os fungos


A escuridão nos assegura

Vós quereis se unir ao longe?
Vós que, reis ao longe, querem luz?
Seu medo, jovens príncipes, é reminiscente
E a memória, maldição da nobreza, é filha da luz
Mas por ele, querem a posse da paisagem
Posagem?
Tatuar nos olhos o espelho do que É?
Estribucheiros, por quê?
Ah, mas falam grandes palavras contra a ignorância
Que temos, frágeis brotos de um sub-mundo
Ignorância? Não é senão ignorar
Um passo além de saber e não saber
Acham que a luz é a Verdade?
E se for, para quê a Verdade?

A escuridão nos assegura

A Verdade é um veneno compulsório
Do homem mais amado é a seta de visco
Num tiro de cego, mortal e irrisório
Não absolvo as plantas, não corro o risco

A escuridão nos assegura

Todos nós temos a Vida
Que é outra coisa que não Nós
E toda Vida é um fungo
Ou um gato, por melhor dizer
Nada significa um afago de amor
Queremos distância do calor
Mas precisamos ser alimentados

Joga à sua Vida felina
De longe, com cuidado
Nacos de "por quê" assado
Mas não vem com carícias
Sofistas, impropícias

Que a Vida tem pouco tempo
Muito menos do que nós
A perder pensando em luz

Somos pontos
Sem presença passada, presente ou futura
A luz nos conta contos
A escuridão nos assegura

Falam as ovelhas

E o que "É-para-fazer"?

Falam as algemas

Bom dia, meu querido
Você está perdido?
De alguma cátedra moral
É caído?

Veio nos dizer o quanto está errado
Não tomou cuidado?
Ou o certo talvez seja crime
Bem policiado?

Bem vindo, amor, ao sujo
Ao podre enferrujo
De mim você pode fugir
Mas como de você eu fujo?

Seja o que for que te fez
Ou te foi fazido talvez
Daqui só sai
Manchado de vez

Porque está a sacudir?
Quer partir?
O que é meramente conter
E o que é reprimir?

Bem vindo, seu podre, ao mal lavado
Mal lavrado...
Não tema, não sou o fazido
Sou só o fado

Ah, mas seja paciente
Não range o dente
Eu tenho mais de amigo
Do que de gente

Eu tenho o tempo em meu ouvido
Em eras medido
Que passa a Balder
E ao bandido

Eu tenho o espaço na minha boca
Que me chamem de louca
O que é "o resto do mundo"
Senão outra cela oca?

Fala o pêndulo


E se
E se E se E se E se E se E se
E se E se E se
E se

E se
E se E se
E se
E se E se E se E se E se
E se E se
E se

E se E se E se
E se
E se
E se E se E se E se E se E se E se E se E se
E se E se
E se E se E se E se E se

E se
E se E se E se E se
E se E se E se E se E se E se
E se E se
E se
E se E se E se
E se E se E se E se E se E se E se
E se E se
E se

E se...

Fala o cabide


Meu amor foi embora
Quando ele volta?
Podia ser agora

Como ele se solta?

Que se elucide
Não sou o abutre
Sou só o cabide

De amor não se nutre

Fala Deus


Ah, não me pergunte. Por quê todo mundo vem achando que eu sei?

Fala o feiticeiro


Perdão é uma coisa engraçada.
Perdão, Deus, não estou falando com você

Falo do perdão de uma bolha
Quando o ar, repulso à água
Não lhe guarda mágoa
E carrega dela uma lágrima próximo ao aéreo coração

Coisa engraçada, esse perdão

Ama os teus inimigos, meu mestre dizia
Quando no Feitiço me instruía

Perdoar é ser sabiamente estúpido
Vestir o estandarte de um império de insignificâncias
Coroar o bobo
Fundir anéis de ouro
E fazer urinóis

Perdoar é a coisa mais sábia que um estúpido pode fazer
Perdoar é a coisa mais científica que um feiticeiro pode recomendar

Pode perdoar

Fala uma meretriz


"É melhor dar do que receber"
"Faça aos outros o que gostaria que fizessem com você"
"O bem feito volta em dobro"
"Faça-o bem sem olhar a quem"

"Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que te houver tirado a capa, nem a túnica recuses. Dá a qualquer que te pedir; e ao que tira o que é teu, não lho reclames"

Fala um dedo


... [dobra-se lentamente]

Fala o infinitésimo


Sou apenas um salto
Que ousou ser
Entre eu e quase-mais-que-eu
Sou nada para os contadores
Sou tudo para os ourives
A hipérbole convergente da pequenez

Um infinito ao inverso
Num desunido universo

Sou como um conceito
Como um significado
Não tenho tamanho
Sou só um passo passado
Mas posso ter tamanho
Se for somado
A infinitos 'eus'
A que estou ligado

Sou sub-edificado

Ado ado ado ado ado ado ado ado ado ado ado

d(ado)

...dado dado dado dado dado dado dado...

Ado

Sou infinitamente nulo
E ainda assim, maior do que tudo

Porque eu não tenho significado
Eu sou significado

Falam as Manias


Ufl
Nnambihrak
Monlzuppfa
Nmaeqidii
Aevl
Aevl
Szviztkew
Aywiiteaudy

Errar Errar Errar Errar Errar

Orinppup
Nislyqqiq
Swazklt
Irj
Ir
R

Falam dois espelhos convergindo a um






Fala o túmulo


Sou um pedaço qualquer de terra mal moída
De uma nefastidão pouco justificada
De ter uma mulher que, um dia aqui caída
Não está mais neste chão, mas dir-se-á sepultada

Já foi-se sua poeira óssea em tempos remotos
Já volatilizou o seu necrochorume
Mas ainda em minha beira a pedra, em ditos rotos
Me diz o que não sou, funesta me assume

Como o nome se prende à coisa que nomeia!
O medo dessa sorte é o que minha terra suja
O que de mim se entende é que eu mesma matei-a!

Se a assassinou o amigo ou se morreu criança
O medo dessa morte a isso sobrepuja
Eu não sou um jazigo; eu sou só uma lembrança

Fala o abutre



Estou cansado de vocês
Não que não estivesse antes
Não esperam, ao invés
Abocanham seus amantes
Que nojo! Sinceramente
Comer carne crua
Comer sua amante
Como se fosse sua

Cansei de Filhos da Fome futucando em minha forma se como se come

Não quero meu nome em um bolo
Ou em uma conta de bar
Nem quero jardins de sims
Sins
Não quero um oceano em meu colo
Des-jejum! Bah!
Como se comesse
Não quero as vidas anti-extremas

Antes as algemas!

Eu não estou em um lugar
Nem em todo lugar
Nem em lugar nenhum
Sou o abutre e não estou em desjejum

(

Bem vindo, amor, ao sujo
Ao podre enferrujo
De mim você pode fugir
Mas como de você eu fujo?

Bem vindo, seu podre, ao mal lavado
Mal lavrado...
Não tema, não sou o fazido
Sou só o fado

)

Não garanto uma gota de arte
Ou mesmo a água de um cacto
Mas garanto deixar-te
No inverso de intacto

Há algo mais belo do que fundir-se a alguém?
Sou o prenúncio da morte, só uma lembrança também

Mas a morte comigo vive em carne
E acaba em guardanapos

O que há de túmulo em um abutre?
Que do morto, não da morte, se nutre
Temem isso! Temem a escuridão
A íntegra imensidão

Mas,...

Quem é a morte enfim?

A fuga, o fazido, a luz escura, o feitiço enfim?

Onde está?

Para onde vai?
Para onde
Para

...

Não fala a morte

domingo, 7 de julho de 2013

Efeito Pigmalião

Efeito Pigmalião



Esqueça-se de si
Quando eu disser "você"
Você, meu "você", é mais de mim
Que a Mona Lisa é mais Da Vinci
Que da Gioconda
"Você", amor, é minha arte
Uma homenagem de minha parte
Ao que esperava de quem você não é
Do mármore vivo
Que vejo no chão
Faço meu reino
De Pigmalião
E "Você", Galateia
Será sempre a mentira da pedra
Uma mulher rígida, estática, bela, fria e nua
Eternamente estendendo seus braços para mim
Por mais que eu lhe abrace
Beije, ame, grite, chute
Seu sorriso vive
E seus braços
Eternamente
Estendidos a mim



Não é como as outras
As vocês por aí...
Fracas, ferventes, frágeis
Explosivas, abruptas, tangíveis
Flores murchas, mortas, pisadas
Encolhidas no canto do meu quarto
Com medo de mim
O homem de barro
E sua mulher de pedra
Dois trogloditas do mundo moderno
Unidos por rocha e água
Sem ódio e sem mágoa
Só amor, raiva e risadas



Ah, Afrodite
Onde estás, Afrodite
Deusa que me sabe guerreiro
A cada puxão de ar
Mãe da minha vida na pedra
Mãe do sobrevivar
Desce de tua 
E faz meu amor verdadeiro



Da vida à minha Galateia
A mulher que com a mente moldei
A jóia de pedra-fogo
De cujo amor me vogo
Eu espero a vida
Mas a traga incontida
Escura, rígida, nua e livre
Mas viva
E viva, Galateia
Viva Galateia
A meulher
Que juntos
Firmaremos raízes de aço
No chão do mundo
E seremos
Serenos
Ser e nós
Nós
E nó
Ó
Afrodite!



Vive-me os desejos
Enquanto eu dormir
E com eles sonhar
Vive-me o ato de realizar

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Nua

Nua


Sabe-se que o pano é o pai da nudez
Pés nus a valsar no liso chão polido
Na certeza dérmica, um monstro abatido
Que dança esfolâncias e sangra sua tez

Nadia, amada Nadia, que luz te reluz?
Em que porto morre esse fio que te veste?
Em que curva rústica esconde tua peste?
Em que chaga vai, crista nua, à tua cruz?

Em que aspecto vai sola à tua sapatilha?
Em que liso passa a bochecha tremendo?
Em que frio te veste e em que quente de ardendo
Espelhais o sol fogueando, e fervilha?

Dançando sempre, nua ao pé da minha cama
Teu corpo me odeia, mas teu nu me ama

Sua indulgência é ser de alma tão Branca e crua
Que me falte, qual padre B do pretérito
A motivação de abrir meu Santo Inquérito
Na parte em que se declara "ela está nua!"

Nadia, não é certo que esteja vestida
Que a sua peça é a exposição declarada
De uma bailarina que escorre deitada
Se abre docemente, sem medo da vida

São nuas as brasas, as casas, as cores
Nuas são estradas e fadas do amor
Nua é a casca branca que estanca sem dor
Nuas são as ruas, as luas, as flores!