domingo, 21 de agosto de 2011

Meu lado

Dualismo

Só existem duas coisas no Universo:
Eu
E o resto do Universo

Por sorte, portanto,
Eu controlo metade do Universo

Acho que as pessoas são tristes
Porque controlam só uma pequena parte do resto
E por isso, se vêem pequenas
De fato, existem bilhões no mundo
E bilhões do mundos no Universo

Mas pela minha máxima
Eu controlo metade das coisas do Universo
E metade já não é de se jogar fora
É bastante o que administrar
E não é só isso

Acho que as pessoas são tristes
Porque por mais que tenham
Nunca serão grandes
Nunca serão mais que um octilhonésimo
Desta existência

Mas pela minha máxima
Se eu tiver apenas a mim
E a uma coisinha a mais
Sou o acionista maior de toda a existência

Por isso, me contento com muito, muito pouco
Qualquer coisa do resto do Universo
Que seja minha
Me faz Deus em pessoa
Não preciso de muito

Mas é claro
Se você quiser dizer
Que se fosse assim
Você, que é Você, também teria metade
E portanto bilhões de pessoas não teriam nada

Eu digo
Que o Universo que se divide
Em Você
E o resto do Seu Universo

É diferente
Do Universo que se divide
Em Mim
E no resto do Meu Universo

E se você não divide Seu Universo
Em Você
E o resto do Seu Universo
Ele não é assim
Porque você manda nele
E se não manda ele ser assim
Ele não é

Se você não divide ele assim
Vai mesmo ficar com um octilhonésimo d'Ele
Queria o quê?

De uma vida quase dupla

Duas decisões

Ser quase menos que poeta
Ser quase mais que engenheiro

Polir a técnica
Calcular a arte
Dimensionar emoções
Poetimizar
Inovar o verso
Rumo ao intento comum

Decidir

E é por esse estandarte
Que levanto às cinco e meia
E integro o cajado e a calculadora gráfica
E decidido, decido o que posso
Faço do meu engenho arte
E da arte meu engenho
Eternamente
Poeta e engenheiro

O caderno preto [38-38]

Três desculpas para a bebedeiras feitas por quem não bebe

(I)

As vezes
Olho para meu fígado e pergunto
"Na minha situação, o que você faria?"
Com um sorriso amarelo, ele responde:
"Exatamente o mesmo"
E continuamos nós dois, incontinentes

(II)

Se eu fosse Prometeu
O álcool seria meu corvo

(III)

Sempre me disseram para valorizar meu corpo
Não quero morrer
E deixar um bom fígado para estragar

O caderno preto [37-38]

Entropia

É a irrefutável prova científica
De que o Universo é preguiçoso

O caderno preto [36-38]

Blá

Falar
É a perversão aguda de poetizar
É abortar fetos de idéias
É quase pensar, quase ensinar
Mas não é nenhum deles
Nem nada

Falar não é falar com alguém
É falar para alguém
Quem fala não ganha

Falar é não dizer nada
Quando se fala para alguém
Quem ouve não ganha

Conversar é atropelar-se
Perder-se em si, tropeçar
Correr para acompanhar
E falar sem dizer
Com o único e vazio intuito
De falar

Ah, e como percebe o poeta
Que em seus escritos nada é em vão
Seja por um segundo ou um ano
Cada verso fermentou
O tempo que devia
É o sabor da poesia

Quando se fala
E, por acaso, se ouve algo bom
É mal aproveitado
Logo regurgitado
No cartório deserto do passado
E morre

Não que a poesia não acabe assim
Mas quem fala dá sedativos à memória
Quem escreve ainda tem chance

Tudo o que já foi dito morreu
Do que foi escrito, apenas
O que não se transcreveu e se apagou

Um escrito pode ser dito e redito
Tanto quanto dura o papel
E se um dia, após anos de esquecimento
Alguém abrir um velho baú
E, por acaso, gostar da velharia
Ela revive

Poetizar é se prolongar
É valer mais
É ser mais
É ser, enfim
Mas do que um álbum de fotos
Sem volta

Ainda quem fala sozinho
E não com alguém
Ao menos está pensando

Falar sozinho
É falar com alguém
Falar consigo mesmo
Pensar com a voz
É dar vida ao pensamento
E vê-lo bem

"Sozinho" mesmo
Fala quem conversa
Porque nesse pingue-pongue
Não há tempo para ouvir
Ouvir de verdade, profundo
Só responder

Melhor escrever, ainda
Mas ao menos sozinhos
Garantimos a sintonia perfeita
Entre o falante e o ouvinte
Aquele só fala quando o outro está pronto
Para ouvir

Como na poesia
O leitor lê no seu ritmo
E o escritor escreve no seu

Aproveitar bem as palavras
É qualidade que se desenvolve
Mas numa conversa é impossível

Falar não estimula
A autenticidade
É fácil escrever rápido como falar
E se por acaso, por um deslize
Algo for pouco ou mal pensado (e acontece)
É só apagar

Quando falamos um erro
Nos perdemos na vergonha
Tentando consertar

Falando sozinho
Também se houver erro
Basta ignorar

Justamente por esse poder
De estar mais certa
A escrita é deserta
Quando se fala bem
É fácil ter uma razão
Atificial

Basta treinar
E na hora de falar
Correr
Não deixar-se acompanhar
E o opositor se perder
E fim

Tem razão quem pensa mais rápido
E assim o canalha ignorante
Carismático, dançante
É tido como sábio
E ganha um poder
Desmerecido

Nossa cultura
Toda essa pressa
O futuro esquecido
São frutos da velocracia
Verbocracia
Verborragia

E se alguém discordar de mim
Quero saber
Mas por favor
Pelo amor
Me responda veementemente
Por escrito

O caderno preto [35-38]

Tântalo da angústia

Querer, e não querer querer o que se quer
Entorto minhas tripas sobre o coração
Escondo a todo custo de você, mulher
O controverso amor, impensável e vão

Que antes eu amasse um pássaro doente
Uma figura histórica, um caso perdido
Mas não algo que todo dia jaz à minha frente
Que eu não posso ter, tântalo enlouquecido

Enquanto estas sofridas linhas são sangradas
A meio passo apenas de mim você está
Tudo o que sonho está ao raio de minhas patadas

Mas se por um segundo apenas me perder
E um passo de formiga me aproximar
Dez metros o seu corpo vai retroceder

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Sérios significados, efêmeros significantes


Cabelo

A fera, fúria desfiada
Armada, acordada
Cortada, arrancada
Quasimoda amada
Medúsica fração de história
Nosso pelo darwiniano
Serpente que sorve mória
Chupa nosso ser mundano
Morto-vivo ícone de beleza
Mar de fios
Ouro, madeira, solo, rubi, opala
Serpente louca, balança, estala
Chove imóvel, superior a nós
Para si ta obrigatório atroz
Devora-me em tua imensidão
Que és zumbi, e eu podridão