segunda-feira, 13 de maio de 2013

Arteísmo



Arteísmo

Ser cético e fazer arte
Que loucura juramentada!
O trabalho que não dá
Ir ao nu do universo
E voltar com belas roupas
Que trabalho que dá
Ver beleza no incerto
Cozinhar a arte em forno de cera
E tirá-la limpa
que se tiver de limpá-la
Será em chorume de cadáveres

Ser cético e fazer arte
É tirar perfume de pus
Ao rendimento pífio
De uma pluma por cão
E fazer malhas de pelos curtos

Ser cético puro
Se absolver das causas e dos efeitos
Ver-se mosca e sorrir-se mosca
Ver-se Deus e não sorrir
Porque, mosca, ziguezagueia?
Porque, Deus, Zaratustreia?

Simplificando as coisas
Que tipo de idiotas somos?
Ser cético sim
Mas fazer arte?

Um ladrão escuro na noite escura
Espia o crente que dorme
Num golpe de fome
Fura-lhe o peito inflado
Cérebros de pedra
Labirintos hepáticos
Ardores sangrentos
Coisas de crente
Nada importa ao nosso duas-caras

Rouba-lhe o coração
Frágil
Mas rico da mais universal das substâncias
O critério
Pai bastardo do império
Que é o tem-de-ser

Espreme o coração crente
Seca-lhe de sangue impuro
Orgulhoso, imperioso
Cura a casca seca
Com a mais franca e humilde permissividade
E recheia o órgão seco
Com as carnes do nunca-ser

E faz das tripas coração
E do coração, a mais insana das artes
Eternamente ladrão
Um órgão escuro na noite escura
Vivendo lirismos emprestados
E protegendo suas podres certezas
Imprestáveis
Sem critério
No amor do mais fiel dos fieis

Só não se limpa de fé
A arte do cético
Essa, por mais fina que seja
É a casca que no amor do cético sobeja

Dispensável
Após a cura da arte
Mas impregnada sem cura
À arte

E o tem-de-ser-não-sendo
O paradoxo de amar uma estatística
De amar a ausência de amor
E assim ter amor
É essa a suma obra
Do artesão cético

Meu sangue é pura linfa
Minha carne, podridão
Meu cérebro é um circuito elétrico
Com interruptor no coração

Uma parede escura na noite escura
A inevitável beira do certo
Da qual saltamos com asas falsas
Rumo ao simplesmente-escuro

Ser essa tautomeria
Ser, essa tautomeria
Ser, essa doença sem cura
Ser, essa bênção sem princípio
Ser um Deus escuro na noite escura

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