segunda-feira, 22 de abril de 2013

Reflexões de um canoeiro


A solidão é a soma do que você é. É o momento em que grãos de identidade, lenta e transigentemente, afundam no leito da vida, e revelam-lhe a verdadeira profundidade. Você só é o que sabe quando ninguém está por perto. Você só sabe o que é quando ninguém está por perto.
A dor de estar só é a dor de bater a cabeça em um leito raso. É impossível mergulhar na vida quando não cabemos dentro dela, sequer sozinhos. Navegue seu rio, saia às margens, volte ao seu rio. Volta ao rio, canoeiro! E vê se afunda bem o remo, levanta poeira, faz dos seus amigos a profundidade que não afoga, e de si mesmo a profundidade que lhe permite afundar.

Homenagem ao compositor turco Fazil Say, metahomenagem a ao poeta turco Aşık Veysel


Kara toprak

Infrutesceste
Mãe fiel?

Tuas pedras coalesceste?
Do teu chão já emana mel?

Tuas mudas convalesceste?
Já choras do olho do céu?

Mãe quieta
Mãe asceta
Esconde seus defeitos
Trabalha, e sua água límpida
Sua água límpida
Que a lambe o fruto-homem
Maduro e fresco

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Fruto-homem
Filho doce
Tua sede
Somente à semente
De néctar
Não se cimente

Farta-se, filho
Que tua mãe quer arder

terça-feira, 2 de abril de 2013

Simples, como deve ser


Nasce
Vive
Come
Morre

É simples, irmão!
Quer seu grande propósito? Taí.

Ah, mas eu não sou das grandiosidades espirituais?
Não sou o teórico de tudo?

Ah sim, sim, sou!
Mas isso é coisa pouca

Que eu faço no intervalo
Entre nascer e morrer
Antes de viver e depois de comer

Porque sabe, irmão, sobra tempo.
Bastante tempo.
Mas não se assuste. Quer ser grande?
Pra quê?

Quem é grande nasce mal nascido
Mal parido, mais cuspido

Quem é grande vive pouco
Que a vida é espaço
E ser grandemente ocupado

Quem é grande come demais
Sem prazer, sem satisfação
Só pela indulgência da fome

Quem é grande morre mal
E é duro de enterrar
Se se crema sobra cinza demais

Não, irmão, seja pequeno!
Nós nascemos fácil
Vivemos muito
Comemos bem
E morremos com um "tchauuuu!" pastelão

O resto é o resto
Coisa pouca
Coisa pequena
Ainda menor que o homem
Que já é pequeno
Que bom que é

Vai, faz o que quiser
Que eu sei que não é tão ruim assim
Pra você ficar se botando em jaula

A vida não paga
Mas também não cobra

Vai lá, relaxa, poxa!
Trabalha na repartição pública
E toca Udar e Sitar
E toda noite de sábado
Vai no Swing com a esposa

Vai, fuma maconha
Ou bebe demais
Ou come compulsivamente
Ou seja rabugento

Vai ter defeito!

Só não seja natimorto
Ou zumbi
Ou asceta
Ou imortal

Não se esqueça de
Nascer
Viver
Comer
Morrer

Do resto, ah, vai na sensibilidade!
Ou não, na racionalidade pontilista
Mas vai, poxa!
Faça do seu corpo um templo
Ou morra de overdose
(Que morrer pode, e deve)

Faça tatuagens, piercins
Ou só passe 50 anos como operador de telemarketing
Se aposente e vá pro interior, ficar falando mal do presente
Ta valendo.

O presente não é melhor que o passado
Que não é melhor que o futuro
Mas também não pior

O importante
Que não vou repetir (haja saco)
A gente pode fazer

Mas nem por isso precisamos parar
Que seguir em frente não tá ruim

Seja preguiçoso, seja obsessivo
Só evite matar
(Vai que a pessoa não comeu ainda)

Ouça música tibetana
Faça Liberty Spikes
Adote sono polifásico
Use Linux
Vista um robe de seda
Vire Vuduista
Compre um tablet
Faça hora extra
Seja vegan
Pratique Takewon-do
Aprenda Finlandês
E vá para a Turquia
Ou não
Ou, como eu já disse
Nada disso

Trabalhe
Odeie os corruptos
Seja viciado em redes sociais
Tome cervejinha com os amigos
Pegue as meninas
Case
Se divorcie
Ouça pagode
Ou não
Ou, como eu já disse
Nada disso

Não trabalhe
Veja televisão
Durma quinze horas por dia
Ao longo de todo o seu tempo
Ou não
Ou, como eu já disse
Nada disso

Só lembre-se de nascer, viver, comer e morrer
E não se esqueça de...
Ah, deixa pra lá