terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Ecoador


 O ato:

Caminha em silêncio pelo vale
Sob o abutre, que solta a pena
Pena que ao chão se resvale
Numa girândola de ar, amena

O fato:

Estou vivo, humanidade!
Mas sou surdo, felizmente
Quando o rio se põe na cidade
No vale ouço a lua nascente

O vale:

Personifica o doce vazio
Que ao solitário acalenta
No qual corre o rico rio
De cuja água se alimenta
O sem-cultura arredio
Que em seus moldes se arrebenta


O ar:

Frio e úmido de pastagens
Um fluído de segredos
É meu Hermes de miragens
Traz mensagens de além dos Penedos
Que me contam minhas coragens
E às quais confio meus medos


A pena:

Quase pena, a penitência
A asa do meu intento
Como toda dissidência
Sobrevive a todo alento
Chamam 'Tempo' sua clemência
Ao dobrar-se sobre o vento

O abutre:

Apesar das abas do mundo
Das quais tua pena faz parte
Quando o Estige dobra ao fundo
Comerá até que se farte
Se lhe apraz o moribundo
Então devora minha arte!

A queda:

A pena do abutre
Pena de mim, que cai
Da qual o vale se nutre
Na medida em que se esvai

O segundo ato:

Um olho negro, ávido
Ave por cujo olho olho
A sombra de um vale pávido
Sob um filtro de petróleo

O segundo fato:

Toda árvore alça ao céu
E falha, pois é do vale
Mas a pena, como um véu
Cai em quem a ela escale

Permissão:

Levanto a pena do chão
Do vale foi sempre plena
O abutre deu permissão
E o vale, vale à pena


A Elias Nasser