Caminha em silêncio
pelo vale
Sob o abutre, que
solta a pena
Pena que ao chão se
resvale
Numa girândola de ar,
amena
O fato:
Estou vivo,
humanidade!
Mas sou surdo,
felizmente
Quando o rio se põe
na cidade
No vale ouço a lua
nascente
O vale:
Personifica o doce
vazio
Que ao solitário
acalenta
No qual corre o rico
rio
De cuja água se
alimenta
O sem-cultura arredio
Que em seus moldes se
arrebenta
O ar:
Frio e úmido de
pastagens
Um fluído de segredos
É meu Hermes de
miragens
Traz mensagens de
além dos Penedos
Que me contam minhas
coragens
E às quais confio
meus medos
A pena:
Quase pena, a
penitência
A asa do meu intento
Como toda dissidência
Sobrevive a todo
alento
Chamam 'Tempo' sua
clemência
Ao dobrar-se sobre o
vento
O abutre:
Apesar das abas do
mundo
Das quais tua pena
faz parte
Quando o Estige dobra
ao fundo
Comerá até que se
farte
Se lhe apraz o
moribundo
Então devora minha
arte!
A queda:
A pena do abutre
Pena de mim, que cai
Da qual o vale se
nutre
Na medida em que se esvai
O segundo ato:
Um olho negro, ávido
Ave por cujo olho
olho
A sombra de um vale
pávido
Sob um filtro de
petróleo
O segundo fato:
Toda árvore alça ao
céu
E falha, pois é do
vale
Mas a pena, como um
véu
Cai em quem a ela
escale
Permissão:
Levanto a pena do
chão
Do vale foi sempre
plena
O abutre deu
permissão
E o vale, vale à pena
A Elias Nasser