As três pragas do Ser
I
Quando a felicidade está, ela não é.
Quando a felicidade é, ela não está.
Pobre ser humano
Inquieto oscilador
Precisa do estado daquilo
Que estando não é senão dor
Pobre ser humano
Errático harmônico
Quando algo é certo e bem feito
Lhe escapa o estado de proveito
Pobre ser humano
Quebra cabeça sem fim
Num curto circuito dos fios
Tecendo o pano
II
O fantasma do tempo
Ronda o ponto de fuga da História
E lembra o perfeccionista
Das duas misérias do Absoluto
Incerto
Infinito
Corre qual um fusca embrutecido
Bufando arquejos, caindo
Nosso universo na margem aberto
Infinincerto
Diluindo a Existência no infinito
E a qualidade no incerto
Diluindo longe o que está perto
Mar Tenebroso que cai, maldito
Nadaenfim
III
Sede senil de serventia
Podre piada pueril
Gado magro, só adubeiro
Que o próprio esterco o orgulho lustra
Vê a indulgência dar valia
À irrealização senil
Mas quer a fé o pastor campeiro
Sem a fé o improvável frustra
O que uma tribo não sabia
É que à outra é igualmente vil
Todas em encaixe certeiro
Assim falava Zaratustra
IV
A última praga não é uma praga
Mas o nome da esperança
Esperança gasosa, infinitamente fluída
Invisível, impalpável, insípida, feia, sem sentido
Mas finita
E certa
O ar frio erêbico do algo
Algo de luz que a vida aflora
É o pedacinho que sobrou
Na caixa escura de Pandora